domingo, 26 de maio de 2013

Choro

Eram todos negros: uma viola, um clarinete, um pandeiro e uma cabaça.
Juntaram-se na varandinha de uma casa abandonada e ali ficaram chorando
valsas, repinicando sambas.
E a gente veio se ajuntando, calada, ouvindo.
Alguém mandou no botequim da esquina trazer cerveja e cachaça.
E em pé na calçada, ou sentados no chão da varanda, ou nos canteiros do
jardinzinho, todos ficamos em silêncio ouvindo os negros.
Os que ouviam não batiam palmas nem pediam música nenhuma; ficavam
simplesmente bebendo em silêncio aquele choro, o floreio do clarinete,
o repinicado vivo e triste da viola.
Só essa música que nos arrasta e prende, nos dá alegria e tristeza,
nos leva a outras noites de emoções – e grátis.
Ainda há boas coisas grátis, nesta cidade de coisas tão caras e de tanta falta
de coisas. Grátis – um favor dos negros.
Alma grátis, poesia grátis, duas horas de felicidade grátis – sim, só da gente
do povo podemos esperar uma coisa assim nesta cidade de ganância e de injustiça.
Só o pobre tem tanta riqueza para dar de graça.


*Rubem Braga*

Em Um Pé de Milho”, Rio de Janeiro, Editora Record, 4ª Edição, 1982.

2 comentários:

Brilho disse...

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Benedicite!

Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto
E o que uniu à charrua o boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que do chão abjeto,
Fez aos beijos do sol, o oiro brotar, do trigo;

E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;

E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,
E o que inventou o canto e o que criou a lira,
E o que domou o raio e o que alçou o aeroplano…

Mas bendito entre os mais o que no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!

Olavo Bilac

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A vida é sonho

Ai de mim! Ai pobre de mim!
Que pergunto a Deus para entender.
Que crime cometi contra Vós?
Pois se nasci, entendo já o crime que cometi.
Aí está motivo suficiente para Vossa justiça, Vosso rigor.
Pois o crime maior do homem é ter nascido!

Para maiores cuidados, só queria saber que crimes
cometi contra Vós, além do crime de nascer.
Não nasceram outros também?
Pois se outros nasceram, que privilégios
tiveram que eu jamais gozei?

Nasce uma ave, e é embelezada por seus ricos enfeites.
Não passa de flor de plumas, ramalhete alado,
quando veloz cortando os salões aéreos recusa
piedade ao ninho que abandona em paz.
E eu, tendo mais instinto, tenho menos liberdade?

Nasce uma fera, com uma pele respingada
de belas manchas, que lembram estrelas.
Logo, atrevida, feroz, a necessidade
humana lhe ensina a crueldade!
Monstro de seu labirinto!
E eu, tendo mais alma, tenho menos liberdade?

Nasce um peixe, aborto de ovas e lodo,
enfeita um barco de escamas sobre as ondas.
Ele gira, gira, por toda a parte, exibindo a imensa
liberdade que lhe dá um coração frio!
E eu, tendo mais escolha, tenho menos liberdade?

Nasce um riacho, serpente prateada, que dentre flores
surge de repente, de repente. Entre flores ele se esconde,
e como músico celebra a piedade das flores que lhe dão
um campo aberto á sua fuga!
E eu, tendo mais vida, tenho menos liberdade?

Assim, assim, chegando a esta paixão um vulcão, qual Etna,
quisera arrancar do peito pedaços do coração!
Que lei, justiça ou razão pode recusar aos homens
privilégios tão suaves e sensação tão única!
Que Deus deu a um cristão, a um peixe,
a uma fera, a uma ave?

Pedro Calderón de La Barca

Monólogo de Segismundo
Filme: “Tempos de Paz”


Estimada Elaine,
Que o Altíssimo lhe entregue mais
uma abençoada e produtiva semana.

Fraterno abraço!

Elaine Bastos disse...

BIluminado,

Grata por suas visitas e pelas carinhosas
palavras que tem deixado aqui...
Aceite o meu carinho sem medida.