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“Ajoelhou-se trêmula junto da cama, pois era assim que se rezava e disse
baixo, severo, triste, gaguejando sua prece com um pouco de pudor:
alivia a minha alma;
faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha;
faze com que eu sinta que a morte não existe,
porque na verdade, já estamos na eternidade;
faze com que eu sinta que amar é não morrer,
que a entrega de si mesmo não significa a morte;
faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária.
Faze com que eu não Te indague demais,
porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta;
faze com que me lembre de que também não há explicação
porque um filho quer o beijo de sua mãe e, no entanto,
ele quer e, no entanto, o beijo é perfeito;
faze com que eu receba o mundo sem receio,
pois para esse mundo incompreensível eu fui criada
e eu mesma também incompreensível, então é
que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso,
mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos
entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria
o pão que eu como, o sono que eu durmo;
faze com que eu tenha caridade por mim mesma,
pois senão não poderei sentir que Deus me amou;
faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte
haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém.”
[…]
*Clarice Lispector*
Fragmento da narrativa do personagem Lóri, em
“Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”, Rio de Janeiro,
Editora Rocco Ltda., 1ª Edição, 1998, pág. 112.