domingo, 19 de março de 2017

 
Elegia

Guardarei comigo apenas o teu nome
a minha idade, a tua idade, o tempo, a hora
a cor de teus olhos e este adeus.


*Álvaro Pacheco*
Em “Balada e Outros Poemas”, São Paulo, Editora Globo, 1ª Edição, 2001.
As ruazinhas

Eu amo de um amor que jamais poderei expressar
Essas pequenas ruas com suas casas de porta e janela,
Ruas tão nuas
Que os lampiões fazem às vezes de álamos,
Com toda a vibratilidade dos álamos,
Petrificada nos troncos imóveis de ferro,
Ruas que me parecem tão distantes
E tão perto
A um tempo
Que eu as olho numa triste saudade de quem
Já tivesse morrido,
Ruas como as que a gente vê em certos quadros,
Em certos filmes:
Meu Deus, aquele reflexo,
À noite, nas pedras irregulares do calçamento,
Ou a ensolarada miséria daquele muro a perder o reboco...
Para que eu vos ame tanto
Assim,
Minhas ruazinhas de encanto e desencanto,
É que expressais alguma coisa minha...
Só para mim!


*Mario Quintana*
Em “Mario Quintana - Poesia Completa”, Rio de Janeiro,
Editora Nova Fronteira, Volume Único, 1ª Edição, 2005.
O vento e a canção

Só o vento é que sabe versejar:
Tem um verso a fluir que é como um rio de ar.

E onde a qualquer momento podes embarcar:
O que ele está cantando é sempre o teu cantar.

Seu grito é o grito que querias dar,
É ele a dança que ias tu dançar.

E, se acaso quisesses te matar,
Te ensinava cantigas de esquecer
Te ensinava cantigas de embalar...
E só um segredo ele vem te dizer:

− é o que o vôo do poema não pode parar.


*Mario Quintana*
Em “Mario Quintana - Poesia Completa”, Rio de Janeiro,
Editora Nova Fronteira, Volume Único, 1ª Edição, 2005.
O Tempo Seca o Amor

O tempo seca a beleza,
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.

O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.

O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.

Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.


*Cecília Meireles*
Em “RETRATO NATURAL”, São Paulo, Global Editora, 2ª Edição, 2014.
Canção

Se de novo passares,
não procures por mim.
Preservemos o fim
dos saudosos olhares.

Bem sei que a noite e os rios
engedram muita flor
parecida com amor,
em seus ermos sombrios.

Mas nem penso aonde vais,
Adormeço nos prados
com os lábios ocupados
no néctar do jamais.

Um tempo sem fronteiras
se abriu diante de nós.
Quando tiveram voz
as verdades inteiras?

Ai, talvez noutro instante
chegue perto de ti,
para ver que perdi
minha alma antiga, — e cante.

Talvez chegue, talvez,
mas que não seja agora,
quando quem foste chora
aquilo que não vês.

Uma vaga canção
cantarei com doçura,
e será morte escura
sobre o meu coração.


*Cecília Meireles*
Em “RETRATO NATURAL”, São Paulo, Global Editora, 2ª Edição, 2014.
Obstinação

Vou em silêncio
plantando minhas sementes
nas pedras rubras da estrada
nos ventos ocres do outono
nos olhos céu da manhã.

Sei que alguém me ouvirá.
”   

*Álvaro Pacheco*
Em “Balada e Outros Poemas”, São Paulo, Editora Globo, 1ª Edição, 2001.

domingo, 5 de março de 2017

Asas Abertas

As asas da minh'alma estão abertas!
Podes te agasalhar no meu Carinho,
Abrigar-te de frios no meu Ninho
Com as tuas asas trêmulas, incertas.

Tu'alma lembra vastidões desertas
Onde tudo é gelado e é só espinho.
Mas na minh'alma encontrarás o Vinho
e as graças todas do Conforto certas.

Vem! Há em mim o eterno Amor imenso
Que vai tudo florindo e fecundando
E sobe aos céus como sagrado incenso.

Eis a minh'alma, as asas palpitando
Com a saudade de agitado lenço
o segredo dos longes procurando...


*Cruz e Sousa*
Em “Últimos Sonetos”, Rio de Janeiro, Editora da UFSC/Fundação Casa de Rui Barbosa/FCC, 
3ª Edição revista, 1997.
[...]

Versos à Corina

V

                                                                      Povero mio core! Ecco una separazione 
                                                                    di piú nella mia scigurata vita!
                                                                   (Silvio Pellico)


Guarda estes versos que escrevi chorando
Como um alivio à minha soledade,
Como um dever do meu amor; e quando
Houver em ti um eco de saudade,
Beija estes versos que escrevi chorando.

Único em meio das paixões vulgares,
Fui a teus pés queimar minh'alma ansiosa,
Como se queima o óleo ante os altares;
Tive a paixão indômita e fogosa,
Única em meio das paixões vulgares.

Cheio de amor, vazio de esperança,
Dei para ti os meus primeiros passos;
Minha ilusão fez-me, talvez, criança;

E eu pretendi dormir aos teus abraços,
Cheio de amor, vazio de esperança.

Refugiado à sombra do mistério
Pude cantar meu hino doloroso;
E o mundo ouviu o som doce ou funéreo
Sem conhecer o coração ansioso
Refugiado à sombra do mistério.

Mas eu que posso contra a sorte esquiva?
Vejo que em teus olhares de princesa
Transluz uma alma ardente e compassiva
Capaz de reanimar minha incerteza;
Mas eu que posso contra a sorte esquiva?

Como um réu indefeso e abandonado,
Fatalidade, curvo-me ao teu gesto;
E se a perseguição me tem cansado,
Embora, escutarei o teu aresto,
Como um réu indefeso e abandonado,

Embora fujas aos meus olhos tristes
Minh'alma irá saudosa, enamorada,
Acercar-se de ti lá onde existes;
Ouvirás minha lira apaixonada,
Embora fujas aos meus olhos tristes,
Talvez um dia meu amor se extinga,
Como fogo de Vesta mal cuidado,
Que sem o zelo da Vestal não vinga;
Na ausência e no silêncio condenado
Talvez um dia meu amor se extinga,

Então não busques reavivar a chama.
Evoca apenas a lembrança casta
Do fundo amor daquele que não ama;
Esta consolação apenas hasta;
Então não busques reavivar a chama.

Guarda estes versos que escrevi chorando,
Como um alívio à minha soledade,
Como um dever do meu amor; e quando
Houver em ti um eco de saudade,
Beija estes versos que escrevi chorando.


[...]

*Machado de Assis*
Em “MACHADO DE ASSIS – OBRA COMPLETA (Crisálidas)”, Volume II, 

Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1ª Edição, 1997.