domingo, 5 de março de 2017

[...]

Versos à Corina

V

                                                                      Povero mio core! Ecco una separazione 
                                                                    di piú nella mia scigurata vita!
                                                                   (Silvio Pellico)


Guarda estes versos que escrevi chorando
Como um alivio à minha soledade,
Como um dever do meu amor; e quando
Houver em ti um eco de saudade,
Beija estes versos que escrevi chorando.

Único em meio das paixões vulgares,
Fui a teus pés queimar minh'alma ansiosa,
Como se queima o óleo ante os altares;
Tive a paixão indômita e fogosa,
Única em meio das paixões vulgares.

Cheio de amor, vazio de esperança,
Dei para ti os meus primeiros passos;
Minha ilusão fez-me, talvez, criança;

E eu pretendi dormir aos teus abraços,
Cheio de amor, vazio de esperança.

Refugiado à sombra do mistério
Pude cantar meu hino doloroso;
E o mundo ouviu o som doce ou funéreo
Sem conhecer o coração ansioso
Refugiado à sombra do mistério.

Mas eu que posso contra a sorte esquiva?
Vejo que em teus olhares de princesa
Transluz uma alma ardente e compassiva
Capaz de reanimar minha incerteza;
Mas eu que posso contra a sorte esquiva?

Como um réu indefeso e abandonado,
Fatalidade, curvo-me ao teu gesto;
E se a perseguição me tem cansado,
Embora, escutarei o teu aresto,
Como um réu indefeso e abandonado,

Embora fujas aos meus olhos tristes
Minh'alma irá saudosa, enamorada,
Acercar-se de ti lá onde existes;
Ouvirás minha lira apaixonada,
Embora fujas aos meus olhos tristes,
Talvez um dia meu amor se extinga,
Como fogo de Vesta mal cuidado,
Que sem o zelo da Vestal não vinga;
Na ausência e no silêncio condenado
Talvez um dia meu amor se extinga,

Então não busques reavivar a chama.
Evoca apenas a lembrança casta
Do fundo amor daquele que não ama;
Esta consolação apenas hasta;
Então não busques reavivar a chama.

Guarda estes versos que escrevi chorando,
Como um alívio à minha soledade,
Como um dever do meu amor; e quando
Houver em ti um eco de saudade,
Beija estes versos que escrevi chorando.


[...]

*Machado de Assis*
Em “MACHADO DE ASSIS – OBRA COMPLETA (Crisálidas)”, Volume II, 

Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1ª Edição, 1997.

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