domingo, 30 de junho de 2013

De que são feitos os dias?

De que são feitos os dias?
− De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
− do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...


*Cecília Meireles*

Em “Antologia Poética”, Organização da Autora, Rio de Janeiro, 
Editora Nova Fronteira, 3ª edição, 2001.
O evangelho da sombra e do silêncio

O silêncio das coisas me comove;
Sinto-o, principalmente quando chove,

Que sonolência enerva as almas...
Que apatia...
Que saudade da vida e da alegria!

Que saudade de tudo que ama e existe!
Como me encanta a natureza triste!

Olho através dos vidros da janela:
A paisagem desfaz-se em folhas amarelas...

Ver árvores é um grande lenitivo
Para a estesia de um contemplativo.

Ver árvores é ouvir sentidas trovas,
Vossas cantigas, raparigas novas!

Que lindo o verde, em nuanças meio incertas,
Margeando, lado a lado, as estradas desertas!

As árvores dos parques e das praças
Bebem silêncio pelas folhas que são taças...
Só parece que a sombra em redor se avoluma
E cresce e desenrola o amplo manto de bruma.

É tudo calma. Em torno à minha casa
Não se escuta sequer um ruflo de asas.

Somente a água que vem da montanha, sonora,
Canta tão triste que não canta, chora.

E some-se, rezando a estranha reza
Da livre religião da natureza,

Ave, sombra! Eu venero a tua imagem
E amo o silêncio verde da paisagem!...


*Olegário Mariano*

Em “Tôda Uma Vida De Poesia - Poesias Completas”, Rio de Janeiro, 
Livraria José Olympio Editôra, 1ª Edição, 1958.

sábado, 29 de junho de 2013

"POESIA PALACIANA

Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.


Partem tam tristes os tristes,
tam fora d'esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
"

*João Roiz de Castelo-Branco*

Em "Antologia do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende", Lisboa, Editora Ulisseia, 1994.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Fim

O que eu perdi não foi um sonho bom,
não foi o fruto a embebedar meus lábios,
não foi uma canção de raro som,
nem a graça de alguns momentos sábios.

O que eu perdi, como quem perde uma outra infância,
foi o sentido do enternecimento,
foi a felicidade da ignorância, foi, em verdade,
na minha carne e no meu pensamento,
a última rubra flor do fim da mocidade.

E dói – não esse gesto ausente, a que se apagam
as flores mais solares, mas uma hora,
− flor de momento numa breve aurora −
hora longínqua, esquiva e para sempre morta,
em cuja escura, inacessível porta
noturnos olhos cegamente vagam.


*Abgar Renault*

Em “SONETOS ANTIGOS”, Belo Horizonte, Imprensa da Universidade Federal de Minas Gerais, 1968.
Pousa a mão na minha testa

Não te doas do meu silêncio:
Estou cansado de todas as palavras.
Não sabes que te amo?
Pousa a mão na minha testa:
Captarás numa palpitação inefável
O sentido da única palavra essencial
− Amor.


*Manuel Bandeira*

Em  “Lira dos cinqüent’anos − Manuel Bandeira”, São Paulo, 
Global Editora, 1ª Edição, 2013.

terça-feira, 25 de junho de 2013

"Canção da tarde no campo

Caminho do campo verde,
estrada depois de estrada.
Cerca de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.

Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.

Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!

Eu ando sozinha
por cima de pedras.
Mas a tarde é minha.

Os meus passos no caminho
são como os passos da lua;
vou chegando, vais fugindo,
minha alma é a sombra da tua.

Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.

De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto.
Subo monte, desço monte,

meu peito é puro deserto.
 
Eu ando sozinha
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.
"

*Cecília Meireles*

Em “Antologia Poética”, Organização da Autora, Rio de Janeiro, 
Editora Nova Fronteira, 3ª edição, 2001.
"Buscando a Cristo

A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa p´ra chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.
"

*Gregório de Matos Guerra*
Em “Gregório de Matos Guerra: Crônica do viver baiano seiscentista - Obra Poética Completa 

(2 volumes)”, Rio de Janeiro, Editora Record, 4ª Edição, 1999.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

"A nossa casa

A nossa casa, Amor, a nossa casa!
Onde está ela, Amor, que não a vejo?
Na minha doida fantasia em brasa
Costrói-a, num instante, o meu desejo!

Onde está ela, Amor, a nossa casa,
O bem que neste mundo mais invejo?
O brando ninho aonde o nosso beijo
Será mais puro e doce que uma asa?

Sonho... que eu e tu, dois pobrezinhos,
Andamos de mãos dadas, nos caminhos
Duma terra de rosas, num jadim,

Num país de ilusão que nunca vi...
E que eu moro
tão bom! dentro de ti
E tu, ó meu Amor, dentro de mim...
"

*Florbela Espanca*

Em “Obras Completas de Florbela Espanca”, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1ª Edição, 1985.

domingo, 23 de junho de 2013

"Segredo

Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome
essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.
"

*Fernando Pinto do Amaral*

Em "Poesia Reunida 1990-2000", Lisboa, Editora Dom Quixote, 2000.

sábado, 22 de junho de 2013

"FOTO DE PERFIL

Quem me vê com a alma repousada
entre as cores manchadas desta foto
não sabe que ela é resto de alvorada
desmaiada entre as barras do ignoto.

O que vê são as sombras do remoto
porvir de alguma aurora desenhada
na areia do crepúsculo onde aporto
a foto que o amor deixou marcada.

Foi-me o tempo e levou a mocidade
das minhas rosas só deixou saudade
só espinhos me restam de uma flor...

Nem de sonho vivido já me lembro...
Só das saudosas tardes de setembro
como memórias póstumas do amor...
"

*Afonso Estebanez*

sexta-feira, 21 de junho de 2013

"Bailia 3

Na angústia da insônia
eu me conto minha vida
e durmo de tédio...

A noite acomoda-se
à beira de um riacho
e as águas cantam para ela
uma canção remota...

É assim
que ainda me conto
a história
de minha vida
escrita nas estrelas...
A lua é o ponto
final...
"

*Afonso Estebanez*

Copiei daqui: http://amagiadaexpressaoliteraria.blogspot.com.br/

terça-feira, 18 de junho de 2013

Suavidade

Pousa a tua cabeça dolorida
Tão cheia de quimeras, de ideal,
Sobre o regaço brando e maternal
Da tua doce Irmã compadecida.

Hás-de contar-me nessa voz tão qu'rida
A tua dor que julgas sem igual,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que à minha alma profunda fez a Vida.

E hás-de adormecer nos meus joelhos...
E os meus dedos enrugados, velhos,
Hão-de fazer-se leves e suaves...

Hão-de pousar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente,
Sobre o teu rosto, como penas de aves...


*Florbela Espanca*

Em “Obras Completas de Florbela Espanca”, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1ª Edição, 1985.
Pousa um momento

Pousa um momento,
Um só momento em mim,
Não só o olhar,
também o pensamento.
Que a vida tenha fim
Nesse momento!

No olhar a alma também
Olhando-me, e eu a ver
Tudo quanto de ti teu olhar tem.
A ver até esquecer
Que tu és tu também.

Só tua alma sem tu
Só o teu pensamento
E eu onde, alma sem eu.
Tudo o que sou
Ficou com o momento
E o momento parou.


*Fernando Pessoa*

Em “Poesias de FERNANDO PESSOA”, Lisboa, Editora Ática, 15ª Edição, 1995.
Hora

Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta − por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.

Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.

E de novo caminho para o mar.


*Sophia de Mello Breyner Andresen*
Em “Dia do Mar”, Lisboa, Edições Ática; 3ª Edição, 1974.

domingo, 16 de junho de 2013

Nesta última tarde em que respiro

Nesta última tarde em que respiro
A justa luz que nasce das palavras
E no largo horizonte se dissipa
Quantos segredos únicos, precisos,
E que altiva promessa fica ardendo
Na ausência interminável do teu rosto.
Pois não posso dizer sequer que te amei nunca
Senão em cada gesto e pensamento
E dentro destes vagos vãos poemas;
E já todos me ensinam em linguagem simples
Que somos mera fábula, obscuramente
Inventada na rima de um qualquer
Cantor sem voz batendo no teclado;
Desta falta de tempo, sorte, e jeito,
Se faz noutro futuro o nosso encontro.


*
Fernando Pinto do Amaral*
Em "Uma Fábula", Lisboa, Assírio & Alvim Editores, 2001.

sábado, 15 de junho de 2013

Voltarei a escrever-te? Para voltares a existir no que escrevo de ti. Demora-te hoje ao menos ainda um momento. Para olharmos a neve na montanha, os campos desertos, ouvirmos em nós o silêncio do mundo. 
[...]
Há o meu desejo de te fixar na palavra escrita que te diz, para ficares aí com o milagre que puder.

[...]
Querida Sandra. De vez em quando volto a perguntar-te porque te escrevo. Sei naturalmente que é para estar contigo. 

[...]
De todo o modo, como foi bom ter estado contigo nesta forma de não estares.

[...]
Porque curiosamente, onde menos te encontro é onde tu exististe. Desprendeste-te donde estiveste e é em mim que mais me acontece tu estares. Mas nem sempre. Quantos dias se passam sem tu apareceres. E às vezes penso é bom que assim seja para eu aprender a estar só. Mas de outras vezes tu rompes-me pela vida dentro e eu quase sufoco da tua presença. Ouço-te dizer o meu nome e eu corro ao teu encontro e digo-te vai-te, vai-te embora. Por favor. E eu sinto-me logo tão infeliz. E digo-te não vás. Fica. Para sempre.


*Vergílio Ferreira*
Em “Cartas a Sandra”, Lisboa, Editora Bertrand, 1ª Edição, 1996.
Soneto

Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto
Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,
Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto,
No teu olhar todo o meu sonho andava esparso.

Que saudades de amor na aurora do teu rosto!
Que horizonte de fé, no olhar tranqüilo e garço!
Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,
Setembro, outubro, abril, maio, janeiro ou março.

Encontrei-te. Depois... depois tudo se some
Desfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira.
Era o dia... Que importa o dia, um simples nome?

Ou sábado sem luz, domingo sem conforto,
Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira,
Brilhasse o sol que importa? ou fosse o luar já morto?
” 

*Alphonsus de Guimaraens*

Em “Poemas Reunidos  1935-1960”, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editôra, 1960.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Suspiro d'Alma

Suspiro que nasce d'alma,
Que à flor dos lábios morreu...
Coração que o não entende
Não no quero para meu.

Falou-te a voz da minha alma,
A tua não na entendeu:
Coração não tens no peito,
Ou é dif'rente do meu.

Queres que em língua da terra
Se digam coisas do céu?
Coração que tal deseja,
Não no quero para meu.


*Almeida Garrett*

Em “Obras de Almeida Garrett (2 volumes), Edição Única”, Porto/Portugal, 
Editora Lello & Irmão Editores, 1966.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Quem sabe?

Tão longe, de mim distante,
onde irá, onde irá teu pensamento!
Tão longe, de mim distante,
onde irá, onde irá teu pensamento!

Quizera saber agora,
quizera saber agora,
se esqueceste, se esqueceste,
se esqueceste o juramento.

Quem sabe? Se és constante,
s'inda é meu teu pensamento.
Minh'alma toda devora,
da saudade, da saudade, agro tormento.

Tão longe, de mim distante,
onde irá, onde irá teu pensamento!
Quizera saber agora,
se esqueceste, se esqueceste o juramento.

Quem sabe? Se és constante,
s'inda é meu teu pensamento!
Minh'alma toda devora,
da saudade, agro tormento.

Vivendo, de ti ausente,
Ai! Meu Deus. Ai meu Deus, que amargo pranto!
Suspiros, angústia de dores,
são as vozes, são as vozes do meu canto.

Quem sabe? Pomba inocente
se também te corre o pranto!
Minh'alma, cheia d'amores
te entreguei, te entreguei, já n'este canto!


*Melodia: Antônio Carlos Gomes (1859) −

Letra: Francisco Leite de Bittencourt Sampaio*
Se

se por acaso
a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até amanhecer
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso
de noite uma farra
a gente ia viver
com garra

eu ia tirar de ouvido
todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto

ia ser um riso
ia ser um gozo
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio

daí vá ficando por aí
eu vou ficando por aqui
evitando
desviando
sempre pensando
se por acaso
a gente se cruzasse...


*Alice Ruiz*

Tirei daqui: http://www.aliceruiz.mpbnet.com.br/ineditas/se.htm

domingo, 9 de junho de 2013

Procura-se uma rosa

Silêncio, silêncio
Que melancolia
Perdeu-se uma rosa
De dia, de dia.

Tristeza, tristeza
Que vida vazia
Perdeu-se uma rosa
Quem a encontraria?

Como era formosa
Que pele macia
Perdeu-se uma rosa
Morreu a poesia.

Ó rosa da aurora
Ó rosa do dia
Só a noite escura
Te receberia.

Se virem a rosa
Na sua agonia
Ó digam à bela
À rosa macia
Que a vida sem ela
Não tem alegria.


*Vinicius de Moraes*

Em "Poesia Completa e Prosa - volume único", Rio de Janeiro, 
Editora Nova Aguilar S/A, 4ª Edição, 2004.

sábado, 8 de junho de 2013

Os lírios

Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem
simples e belos – perfeitos! –
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça,
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre lírios
adormecerei tranqüila.


*Henriqueta Lisboa*

Em “A face lívida”, Belo Horizonte, Edição da Imprensa Oficial, 1945.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Poema
                               
Para isso vim...
Não, não foi para isso que cheguei.

Vim para dar-te o pássaro, inédito de vôos,
que há em mim.

Vim para secar o pranto
desse alguém que não és, mas que sonhei.

Vim para ver-te como queria que fosses
− tão indizível em mim. Tão indizível!

Vim para o refúgio da noite
e o doloroso presságio das manhãs.
Vim − campo, rosa, nuvem, pedra,
rio adormecido, luz.
 
Para isso vim e perdi-me.
”      

*Lara de Lemos*

Em "Lara de Lemos - Antologia Poética (seleção e estudo crítico de Volnyr Santos)", 
Lajeado/RS,  Editora: WS (Coleção Autor!Autor!), 1ª Edição, 2002.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Canção católica que jamais esqueci...

Balada da Caridade

Para mim, a chuva no telhado
É cantiga de ninar
Mas o pobre, meu irmão,
Para êle a chuva fria
Vai entrando em seu barraco
E faz lama pelo chão.

Como posso
Ter sono sossegado.
Se no dia que passou,
Os meus braços eu cruzei.

Como posso ser feliz
Se ao pobre, meu irmão,
Eu fechei meu coração,
Meu amor eu recusei.

Para mim, o vento que assobia
É noturna melodia
Mas o pobre, meu irmão,
Ouve o vento angustiado
Pois o vento, êsse malvado,
Lhe desmancha o barracão.


*Composição:
Irmã Irene Gomes / Irmã Rita de Cássia Ribeiro*
(Missionárias de Jesus Crucificado - MJC)
Em “LP DE COLORES - Coro Jovem do TLC” (Vinil com Músicas de Encontros), Lado 2, RCA VICTOR, 1972.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Dá-me Tua Mão

Dá-me tua mão e dançaremos;
dá-me tua mão e me amarás.
Como uma única flor seremos,
como uma flor, e nada mais.

O mesmo verso cantaremos,
no mesmo passo bailarás.
Como uma espiga ondularemos,
como uma espiga, e nada mais.

Chamas-te Rosa e eu Esperança;
porém teu nome esquecerás,
porque seremos uma dança
sobre a colina, e nada mais...


*Gabriela Mistral*

Em "GABRIELA MISTRAL & CECÍLIA MEIRELES", Rio de Janeiro,  Academia Brasileira de Letras 
e Academia Chilena de La Lengua/Santiago de Chile, 2003.
Cantiga do pressentir

A noite já nos espreita
e permaneço esquecida
à beira do meu destino.
És tardo porque ignoras
que vivo do que adivinho.

Repele a palavra esquiva
não te cubras de distância,
estende um lenço, um soluço,
troca teus olhos de ausente
por dois claros de esperança.

E vem, que te aguardo ainda
nesses linhos de aconchego,
em braços de puro embalo,
em plumagens de mornura,
em claras nuvens de espuma.

Enquanto não me descobres
me perco em falas menores,
me reparto sem vontade,
tropeço pedras amargas,
naufrago secretos mares.


*Lara de Lemos*

Em "Canto breve: poesia", Porto Alegre, Editora Difusão de Cultura, 1962.
 “Um anjo

Um anjo vem todas as noites:
senta-se ao pé de mim, e passa
sobre meu coração a asa mansa,
como se fosse meu melhor amigo.
Esse fantasma que chega e me abraça
(asas cobrindo a ferida do flanco)
é todo o amor que resta
entre ti e mim, e está comigo.
”    

*Lya Luft*

Em "Mulher no Palco", São Paulo/SP, Editora Siciliano, 1984.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Vergonha

Se tu me olhas, eu me torno formosa
como a erva a quem desceu o orvalho,
e desconhecerão minha face gloriosa
as altas canas quando baixe o rio.

Tenho vergonha de minha boca triste,
de minha voz rota, de meus joelhos rudes;
agora que me olhaste e que vieste,
me percebi pobre e me toquei desnuda.

Nenhuma pedra no caminho achaste
mais despida de luz na alvorada
que esta mulher a quem levantaste,
porque ouviste seu canto, o olhar.

Eu me calarei para que não conheçam
minha ventura os que passam pelo campo,
no fulgor que há em minha face tosca
e no tremor que há em minha mão...

É noite e desce à erva o orvalho;
olha-me fundo e fala-me com ternura,
que de manhã, ao descer ao rio
a que beijaste levará formosura!
”     

*Gabriela Mistral*

Em "Gabriela Mistral - ANTOLOGIA POÉTICA (Seleção, tradução e apresentação de 
Fernando Pinto do Amaral)", Lisboa, Editorial Teorema, 2002.
TELEGR/AMOR
                             
Viajo em ventos
de saudade. A distância
é ponte alada.
Vôo alto.

Busco o encontro
como quem abrisse
uma porta fechada.
                 Há muito.
” 
              

*Lara de Lemos*
Em "Lara de Lemos - Antologia Poética (seleção e estudo crítico de Volnyr Santos)", 
Lajeado/RS, Editora: WS (Coleção Autor!Autor!), 1ª Edição, 2002.
O Auto-retrato

No retrato que me faço
− traço a traço −
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
− pouco a pouco −
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
”    

*Mario Quintana*

Em “Mario Quintana - Poesia Completa”, Rio de Janeiro, 
Editora Nova Fronteira, Volume Único, 1ª Edição, 2005.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

A Chuva Lenta        

Esta água medrosa e triste,
como criança que padece,
antes de tocar a terra,
 desfalece.

Quieta a árvore, quieto o vento,
e no silêncio estupendo,
este fino pranto amargo,
caindo!

O céu é como um imenso
coração que se abre, amargo.
Não chove: é um sangrar lento
e longo.

Dentro de casa, os homens
não sentem esta amargura,
este envio de água triste
   da altura;

Este longo e fatigante
descer de águas vencidas,
até  a Terra jacente
  e transida.

Chove... e como um chacal trágico
a noite espreita na serra.
Que vai surgir na sombra
  da Terra?

Dormireis, enquanto fora
cai, sofrendo, esta água inerte
esta água  letal, irmã
  da Morte?

            
*Gabriela Mistral*

Em "GABRIELA MISTRAL & CECÍLIA MEIRELES", Rio de Janeiro,
 Academia Brasileira de Letras  e Academia Chilena de La Lengua/Santiago de Chile, 2003.
Se te pareço ausente

Se te pareço ausente, não creias:
hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos mais promessas.
Não acredites nesse breve sono;
não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
Não creias também: é preciso encostar
teus lábios nos meus lábios para ouvir.
Nem acredites se pensas que te falo:
palavras são meu jeito mais secreto de calar.

   
*Lya Luft*

Em "Mulher no Palco", São Paulo/SP, Editora Siciliano, 1984.