domingo, 27 de abril de 2014

Solemnia Verba

Disse ao meu coração: Olha por quantos
Caminhos vãos andámos! Considera
Agora, d'esta altura fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos...

Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
E noite, onde foi luz de primavera!
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos! —

Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do penar tornado crente,

Respondeu: D'esta altura vejo o Amor!
Viver não foi em vão, se é isto a vida,
Nem foi de mais o desengano e a dor.


*Antero de Quental*

Em "Os sonetos completos de Anthero de Quental", 
Publicados por J. P. Oliveira Martins,
Porto, Livraria Portuense de Lopes,
1ª Edição, 1886, pág. 119.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

SOMBRAS

Parece o teu retorno a não sei onde
parece que refaço e não sei quando
pareço perguntar nem me responde
o celerado amor que vou sonhando...

Parece que nem tudo corresponde
ao teu eco de amor me retornando...
Parece que o silêncio não esconde
esse grito de amor te relembrando...

Pereço uma estação no fim da linha
pareço uma canção que me perdeu
pelos céus de verão sem andorinha...

Parece que o passado se esqueceu
de que outro dia ainda fostes minha
e não se lembra mais de que fui teu...


*Afonso Estebanez*

 Fonte:  http://amagiadaexpressaoliteraria.blogspot.com.br/

segunda-feira, 7 de abril de 2014

O que alguém disse

‘Refugia-te na Arte’ diz-me alguém
‘Eleva-te num voo espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.

Só é grande e perfeito o que nos vem
Do que em nós é Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a verdade e em mais ninguém!’

No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem… E n’Aquele
Que é triste, como eu, fico a pensar…

O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol é cor dos olhos d’Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar…


*Florbela Espanca*

Em “Livro de Sóror Saudade”, 1ª edição, Lisboa, Edição da Autora, 1923.