sábado, 2 de maio de 2015

Poesia matemática

Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base,
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo otogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela a dela
Até que se encontraram
No Infinito.
‘Quem és tu?’ indagou ele
Com ânsia radical.
‘Sou a soma dos quadrados dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa.’
E de falarem descobriram que eram
− O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs −
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas sinoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Uma perpendicular.

Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo,
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.
Mas foi então que o Einstein descobriu a Relatividade
E tudo que era expúrio passou a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer
Sociedade.


*Millôr Fernandes*
Em “Poesia Matemática”, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2ª Edição, 2014.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Fados Contrários

Diz à flor a borboleta:
‘Vamos, irmã, tudo é luz!
Há muito prisma doirado
Que pelos ares transluz…

Tuas pétalas são asas,
Das nuvens nas tênues gazas,
D’aurora nos seios nus
Tens um ninho entre perfumes…

Vamos boiar, entre os lumes
Desses páramos azuis’.
À linda fada dos ares
Responde a silvestre flor:

‘Eu amo o gemer das auras
E o beijo do beija-flor…
Se és do céu a violeta,
Sou da terra a borboleta...

Sigo um destino menor.
Buscas o céu – eu a alfombra,
Queres a luz – eu quero a sombra,
Pedes glória – eu peço amor’...


*Castro Alves*
Em “Poesias Completas”, São Paulo, Editora Saraiva, 2ª Edição, 1960.
Descobrimento da Poesia

Quero escrever sem pensar.
Que um verso consolador
Venha vindo impressentido
Como o princípio do amor.

Quero escrever sem saber,
Sem saber o que dizer,
Quero escrever urna coisa
Que não se possa entender,

Mas que tenha um ar de graça,
De pureza, de inocência,
De doçura na desgraça,
De descanso na inconsciência.

Sinto que a arte já me cansa
E só me resta a esperança
De me esquecer do que sou
E tornar a ser criança.


*Dante Milano*
 
Em “Antologia da poesia brasileira moderna: 1922-1947”, São Paulo, 
Publicado por Clube de Poesia de São Paulo, 1953, pág. 147.