quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

 "A minha dor

A minha dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas de um requinte escultural.

Os sinos têm dobres d’agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal…
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias…

A minha dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro!
E ninguém ouve… ninguém vê… ninguém…
"

*Florbela Espanca*

Em “Obras Completas de Florbela Espanca”, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1ª Edição, 1985.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Viagem

Oh, tristeza, me desculpe, estou de malas prontas,
hoje a poesia veio ao meu encontro,
já raiou o dia, vamos viajar.


Vamos indo de carona, na garupa leve
do vento macio que vem caminhando
desde muito tempo, lá do fim do mar.


Vamos visitar a estrela da manhã raiada,
que pensei perdida pela madrugada,
mas que vai escondida, querendo brincar.


Senta nessa nuvem clara, minha poesia,
anda, se prepara, traz uma cantiga,
vamos espalhando música no ar.


Olha quantas aves brancas, minha poesia
dançam nossa valsa pelo Céu que o dia
fez todo bordado de raios de sol.


Oh, poesia, me ajude, vou colher avencas,
lírios, rodas, dálias, pelos campos verdes
que você batiza de Jardins do Céu.


Mas, pode ficar tranqüila, minha poesia,
pois, nós voltaremos numa Estrêla-Guia,
num clarão de lua, quando serenar...


Ou, talvez, até quem sabe, nós só voltaremos
num cavalo baio, no alazão da noite,
cujo o nome é Raio, Raio de Luar
”. 

*Composição: Paulo César Pinheiro - João de Aquino*

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

"Eu te amo

Sim eu te amo; porém nunca
saberás do meu amor;
a minha canção singela
traiçoeira não revela
o prêmio santo que anela
o sofrer do trovador!

Sim, eu te amo; porém nunca
dos lábios meus saberás,
que é fundo como a desgraça,
que o pranto não adelgaça,
leve, qual sombra que passa,
ou como um sonho fugaz!

Aos meus lábios, aos meus olhos
do silêncio imponho a lei;
mas lá onde a dor se esquece,
onde a luz nunca falece,
onde o prazer sempre cresce,
lá saberás se te amei!

E então dirás: 'Objeto
fui de santo e puro amor:
A sua canção singela,
tudo agora me revela;
já sei o prêmio que anela
o sofrer do trovador.

Amou-me como se ama a luz querida,
como se ama o silêncio, os sons, os céus,
qual se amam cores e perfumes e vida,
os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!
'."   

*Antônio Gonçalves Dias*

Em “Nossos Clássicos, Gonçalves Dias”, São Paulo, Editora Agir, Vol. 18, 12ª Edição, 1985.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Sugestão

Sede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Flor que se cumpre,
sem pergunta.

Onda que se esforça,
por exercício desinteressado.

Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silêncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E à nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

À cigarra, queimando-se em música,
ao camelo que mastiga sua longa solidão,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocência para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Não como o resto dos homens.

*Cecília Meireles*
Em “Poesias Completas de Cecília Meireles, Viagem, Vaga Música”, Rio de Janeiro, 
Editora Civilização Brasileira - MEC, 1973.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Cantar de Amigo

Fiz esta canção para a minha amiga
bem simplesmente
como o oleiro faz o seu vaso
de cera nova ou de argila antiga.

Se alguém me vier perguntar por acaso
para quem fiz esta cantiga,
eu o olharei nos olhos tranqüilamente
e em meus olhos ele há de ler
o nome da minha amiga.
”     

*Onestaldo de Pennafort*

Em “Poesia”, Rio de Janeiro, Editora Record, 1ª Edição, 1987.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013


 “Última Página

Mais uma vez o tempo me assusta.
Passa afobado pelo meu dia,
Atropela minha hora,
Despreza minha agenda.
Corre prepotente,
A disputar lugar com a ventania.

O tempo envelhece, não se emenda.
Deveria haver algum decreto
Que obrigasse o tempo a desacelerar
E a respeitar meu projeto.

Só assim, eu daria conta
Dos livros que vão se empilhando,
Das melodias que estão me aguardando,
Das saudades que venho sentindo,
Das verdades que ando mentindo,
Das promessas que venho esquecendo,
Dos impulsos que sigo contendo,
Dos prazeres que chegam partindo,
Dos receios que partem voltando.

Agora, que redijo a página final,
Percebo o tanto de caminho percorrido
Ao impulso da hora que vai me acelerando.
Apesar do tempo, e sua pressa desleal,
Agradeço a Deus por ter vivido,
Amanhecer e continuar teimando...
” 

*Flora Figueiredo*
Em “Chão de Vento – Poesia”, São Paulo, Geração Editorial, 1ª Edição, 2005.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013


Puro Canto

Bendito o que ideou o primeiro jardim do mundo
E benditas as mãos inumeráveis
Que multiplicaram os jardins do mundo.
Os jardins, filhos da natureza e do espírito.
Os jardins, em que as árvores insignificativas da floresta

Tomam posturas humaníssimas
De melancolia e de êxtase.
Em que as águas insignificativas da Planície
Se transmudam em canais sonhadores.
Em que os rudes caminhos do vale e da montanha
Se geometrizam em curvas que são como os serenos pensamentos.

Bendito o que ideou o primeiro jardim do mundo
E os que semearam pelo mundo
As manchas de sombra fresca e de beleza
dos jardins inumeráveis...

*Tasso da Silveira*
Em “PURO CANTO”, Rio de Janeiro, Editora Organizações Simões, 1ª edição, 1956.