quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

"A Flor e a Fonte

'Deixa-me, fonte!' Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria
Cantava, levando a flor.

'Deixa-me, deixa-me, fonte!'
Dizia a flor a chorar:
'Eu fui nascida no monte...
Não me leves para o mar.'

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

'Ai, balanços do meu galho,
Balanços do berço meu;
Ai, claras gotas de orvalho
Caídas do azul do céu!...'

Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Rolava, levando a flor.

'Adeus, sombra das ramadas,
Cantigas do rouxinol;
Ai, festa das madrugadas,
Doçuras do pôr-do-sol;

Carícias das brisas leves
Que abrem rasgões de luar...
Fonte, fonte, não me leves,
Não me leves para o mar!'

*
As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...
"

*Vicente de Carvalho*

Em “Vicente de Carvalho e os Poemas e Canções”, São Paulo, Livraria José Olympio Editora, 1970.

Nenhum comentário: