terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Ano de Esperança!...

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
ᅳ ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
ᅳ Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
ᅳ O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...


*Mario Quintana*

 Em "Nova Antologia Poética", Editora Globo, São Paulo, 1998, pág. 118.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Adeus

Versos que eu trabalhei à sombra do retiro,
Onde vivo enganando as emoções que eu sinto,
Levae para o além o lânguido suspiro
Da mágua e do pezar que agitam meu instincto.

Ide felizes, voae á paz das horas quietas,
Levae meu desencanto em phrases voluptuosas,
A'santa inspiração dos lúbricos poetas
Ao retiro feliz das virgens amorosas...

Emoções que eu senti, palpitando Secretas
Levae o meu ardor, deixae-me as horas quietas.


*Sarah de Tobias*

Em “Emoções secretas (versos)”, Curitiba/Paraná, Plácido e Silva & Cia, 1924.
Suggestão

Amo ao cahir do sol, a olympica belleza
Que tonaliza o poente,
Amo o sol que tombou como um adolescente
Enfermo de tristeza...
Tenho culto por tudo o que é vellado e frio,
Pelo cantar do rio,
Por tudo o que é ligeiramente
Transparente...

Borda o sol ao morrer, esboços de aquarellas
Serenas e bizarras...
Ouvindo o farfalhar das folhas amarellas
Alegres chiam as cigarras...
Eu amo as noites claras de abandono
Em que o luar,
Tem caricias de luz e desmaios de somno
E se fica a scismar...


*Sarah de Tobias*

Em “Emoções secretas (versos)”, Curitiba/Paraná, Plácido e Silva & Cia, 1924.
Tenho silêncios,
Embrulhados em segredos.
Silêncios mudos,
Que se lêem em
meus olhos.
Silêncios cúmplices,
Partilhados
Entre confidências e quimeras.
Mas os meus prediletos,
São aqueles que me provocam
Sorrisos na alma...


*Desconheço a autoria*
Faço uso das palavras do Pe. Marcelo Rossi para dizer que...

Eu poderia te desejar muitas coisas boas...
Mas prefiro desejar a presença de Deus na sua vida.
Assim saberei que nada irá te faltar!
“O Nascimento

Vamos ver a Estrela!
Sairemos pelas estradas, cantando,
Sairemos de mãos dadas,
E acordaremos as brancas e tímidas ovelhas.
Iremos surpreendê-Lo, Pequenino e Simples.
Sua Inocência Iluminará os caminhos felizes, dormindo.
Vamos ver a Estrela!”


*Augusto Frederico Schmidt*

Em “Eu te direi as grandes palavras: poemas escolhidos e versos inéditos”, 
Rio de Janeiro, Editora José Aguilar, 1975.
Soneto de Natal

Um homem, ᅳ era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, ᅳ
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga.

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração, mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?” 
 

*Machado de Assis* 

Em “Poesias completas (Crisálidas, Falenas, Americanas, Ocidentais)”,
São Paulo, Editora Mérito, 1959.
À procura do Natal

Caminharei em busca do presépio
A noite inteira, meu Senhor.
Não haverá porém nenhuma estrêla,
Para guiar meus passos:
Tôdas as estrelas estarão imóveis
No céu imóvel.

Caminharei em busca do presépio,
A noite inteira, meu Senhor.
As estradas porém estarão solitárias.
Tudo estará adormecido,
As luzes das casas apagadas,
As vozes dos peregrinos terão morrido
Na distância sem fim.

Caminharei ansioso à tua procura,
Mas estarei tão atrasado,
O tempo terá caminhado tão na minha frente,
Que me será difícil encontrar o teu recanto humilde ᅳ
Cansado, encontrarei grandes cidades,
Mas a tua Cidade, Senhor, terá desaparecido.

Muitos se rirão de mim, sabendo que te procuro.

Não haverá nenhuma estrêla
Para mostrar o lugar em que te encontras.
Tôdas as estrêlas estarão imóveis no céu.


*Augusto Frederico Schmidt*
 
Em “Eu te direi as grandes palavras: poemas escolhidos e versos inéditos”,  
Rio de Janeiro, Editora José Aguilar, 1975.

domingo, 17 de novembro de 2013

Redenção

I

Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n'um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento...

Verbo crepuscular e íntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?

Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha...
Almas irmãs da minha, almas cativas!


*Antero de Quental* 

 Em “Poesia Completa” (1842-1891), Lisboa/Portugal, Editora Publicações Dom Quixote, 2001.

domingo, 10 de novembro de 2013

Quando era criança...

Quando era criança
Vivi, sem saber,
Só para hoje ter
Aquela lembrança.
É hoje que sinto
Aquilo que fui
Minha vida flui
Feita do que minto.
Mas nesta prisão,
Livro único, leio
O sorriso alheio
De quem fui então.


*Fernando Pessoa*
Em Cancioneiro – Obra Poética V, São Paulo, L&PM Pocket Editores, 1ª Edição, 2007.
A criança que fui chora na estrada

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,


E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.


*Fernando Pessoa*

Em “Cancioneiro – Obra Poética V”, São Paulo, L&PM Pocket Editores, 1ª Edição, 2007.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Para a manhã

Rosa acordada, que sonhaste?
Nas pálpebras molhadas vê-se ainda
Que choraste...
Foi algum pesadelo?
Algum presságio triste?
Ou disse-te algum deus que não existe
Eternidade?
Acordaste e és bela
Vive!
O sol enxugará esse teu pranto
Passado
Nega o presságio com perfume e encanto!
Faz o dia perfeito e acabado!


*Miguel Torga*

 Em “Poesia Completa”, Lisboa/Portugal, Publicações Dom Quixote, 2ª Edição, 2002.
Sempre

Pensas que te não vejo a ti? Bem era!
Gravei tão vivamente n’alma a doce
E bela imagem tua, que eu quisera
Deixar de contemplar-te só que fosse
Um momento, e não posso, não consigo:

Foges-me, escondes-te e, que importa? Esculpes
Mais fundo ainda os indeléveis traços!
Realça-te o retrato! E não me culpes!
Culpa-te antes a ti!... Sigo-te os passos!
Vejo-te sempre! trago-te comigo!


*João de Deus de Nogueira Ramos*

Em “Campo de Flores – Poesias Líricas Completas”, Lisboa, Editora Moderna Editorial Lavores, 2002.

domingo, 27 de outubro de 2013

 “Tormento do Ideal

Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre;
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do sol e sobre o mar discorre.

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o batismo dos poetas,
E assentado entre as formas incompletas,
Para sempre fiquei pálido e triste.


*Antero de Quental*
 
 Em “Poesia Completa” (1842-1891), Lisboa/Portugal, Editora Publicações Dom Quixote, 2001.
À Virgem Santíssima

Cheia de graça, Mãe de Misericórdia


N'um sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…

Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade…
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza…

Um místico sofrer… uma ventura
Feita só do perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira…

Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!


*Antero de Quental*

Em “Poesia Completa” (1842-1891), Lisboa/Portugal, Editora Publicações Dom Quixote, 2001.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

 “Na mão de Deus
    
Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!


*Antero de Quental*
Em “Poesia Completa” (1842-1891), Lisboa/Portugal, Editora Publicações Dom Quixote, 2001.
O Encoberto

Que symbolo fecundo
Vem na aurora anciosa?
Na cruz morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.

Que symbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Christo.

Que symbolo final
Mostra o sol já disperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.


*Fernando Pessoa*

Em “O Encoberto, Porto, Editora Livraria Moreira, 1904.

sábado, 19 de outubro de 2013

Desdém

Andas dum lado pro outro
Pela rua passeando;
Finges que não queres ver
Mas sempre me vais olhando.

É um olhar fugidio,
Olhar que dura um instante,
Mas deixa um rasto de estrelas
O doce olhar saltitante…

É esse rasto bendito
Que atraiçoa o teu olhar,
Pois é tão leve e fugaz
Que eu nem o sinto passar!

Quem tem uns olhos assim
E quer fingir o desdém,
Não pode nem um instante
Olhar os olhos d’alguém…

Por isso vai caminhando…
E se queres a muita gente
Demonstrar que me desprezas
Olha os meus olhos de frente!...


*Florbela Espanca*

Em “Obras Completas de Florbela Espanca”, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1ª Edição, 1985.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Auroras e Crespúculos

Todo dia, na fimbria do horizonte
Surge a aurora num sonho embevecido;
Abre-se a flor que expande junto à fonte
Um perfume de amor apetecido.

Mas se o galho tristonho pende a fronte
Acobertando o ninho adormecido
No véu da noite, aconchegando o monte
Chega o crepúsculo em sombras envolvido.

Assim é a vida: flor desabrochada...
Imagem da esperança despertada
Da aurora à luz, de nívea claridade.

E como o berço onde adormece o dia,
No momento de paz da ‘Ave-Maria’.
Esta vida é crepúsculo. É Saudade.


*Bernardina Vilar*

Em “Saudade da Vila”, São Paulo, Editora Moderna, 14ª Edição, 1994.
Noivado estranho

O luar branco, um riso de Jesus,
Inunda a minha rua toda inteira,
E a Noite é uma flor de laranjeira
A sacudir as pétalas de luz…

O luar é uma lenda de balada
Das que avozinhas contam à lareira,
E a Noite é uma flor de laranjeira
Que jaz na minha rua desfolhada...

O Luar vem cansado, vem de longe,
Vem casar-se co´a Terra, a feiticeira
Que enlouqueceu d´amor o pobre monge...

O luar empalidece de cansado…
E a noite é uma flor de laranjeira
A perfumar o místico noivado!…


*Florbela Espanca*

Em “Obras Completas de Florbela Espanca”, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1ª Edição, 1885.
O Retrato

Sala deserta, na penumbra imersa
E na parede um quadro pendurado;
Sobre os frangalhos de um tapete persa,
Lá no canto um piano empoeirado.

Contra os vitrais, na direção inversa,
Um móvel antigo, sujo, desbotado;
Como a mostrar cumprir sorte adversa
Um divã noutro canto abandonado.

Abri a porta. Entrei. Tudo era triste.
Na solidão apenas a certeza
De que mais nada ali já não tem dono.

Mas qual! Num desafio que assim resiste,
Um retrato sorrindo sobre a mesa
No mais letárgico e tétrico abandono.


*Bernardina Vilar*

Em “Saudade da Vila”, São Paulo, Editora Moderna, 14ª Edição, 1994.

domingo, 13 de outubro de 2013

[...] 

Me desculpe eu perguntar: ser feia dói?
Nunca pensei nisso, acho que dói um pouquinho. Mas eu lhe pergunto 
se você que é feia sente dor.
Eu não sou feia!!! gritou Glória.

Depois tudo passou e Macabéa continuou a gostar de não pensar em nada. 
Vazia, vazia. Como eu disse, ela não tinha anjo da guarda. 
Mas se arranjava como podia. 
Quanto ao mais, ela era quase impessoal. 
Glória perguntou-lhe:
Por que é que você me pede tanta aspirina? Não estou reclamando, 
embora isso custe dinheiro.
É para eu não me doer.
Como é que é? Hein? Você se dói?
Eu me dôo o tempo todo.
Aonde?
 Dentro, não sei explicar.

Aliás cada vez mais ela não se sabia explicar. 

Transformara-se em simplicidade orgânica. 
E arrumara um jeito de achar nas coisas simples e honestas a 
graça de um pecado. 
Gostava de sentir o tempo passar. Embora não tivesse relógio, 
ou por isso mesmo, 
gozava o grande tempo. Era supersônica de vida. 
Ninguém percebia que ela ultrapassava com sua existência
 a barreira do som. 
Para as pessoas outras ela não existia. 
A sua única vantagem sobre os outros era saber engolir pílulas 
sem água, assim a seco.
 Glória, que lhe dava aspirinas, admirava-a muito, o que dava 
a Macabéa um banho de calor gostoso no coração.
  
*Clarice Lispector*

Fragmento extraído da narrativa desenvolvida 
em sua obra “A hora da Estrela”, Rio de Janeiro, Editora Rocco, 1ª Edição, 1977.