terça-feira, 30 de abril de 2013

Mundo interior

Ouço que a Natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, − a natureza externa, −
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E, contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia, − e dorme.
”   

*Machado de Assis*

Em “Poesias completas (Crisálidas, Falenas, Americanas, Ocidentais)”, 
São Paulo, Editora Mérito, 1959.
Oriente

Manda-me verbena ou benjoim no próximo crescente
e um retalho roxo de seda alucinante
e mãos de prata ainda (se puderes)
e se puderes mais, manda violetas
(margaridas talvez, caso quiseres)

manda-me osíris no próximo crescente
e um olho escancarado de loucura
(em pentagrama, asas transparentes)

manda-me tudo pelo vento:
envolto em nuvens, selado com estrelas
tingido de arco-íris, molhado de infinito
(lacrado de oriente, se encontrares)
”.

*Caio Fernando Abreu*

Em "O essencial da década de 1970", Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1ª Edição, 2013.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

"Idílio Quase Esquecido

Na paisagem me esqueci,
além do florido muro;
o sonho era muito branco,
mas o destino era escuro...
Resta a memória apagada
do mundo em que me procuro:

eis as rosas que componho
− rosas que plantei nos olhos,
rosas que colhi no sonho.

Decifro o mural da noite
no luar marmorizado
− entre o milagre das rosas
e o branco mel entornado
sobre o tapete do sono:

eis as rosas que componho
− rosas que plantei nos olhos,
rosas que colhi no sonho.
"

*Colombo de Sousa*

Em “Antologia Poética de Colombo de Sousa”, Curitiba, Editora Lítero Técnica, 3ª Edição, 1989.
Assim eu vejo a vida

A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.


*Cora Coralina*

Em “Melhores Poemas, Cora Coralina”, São Paulo, Editora Global, 1ª Edição, 2004.

domingo, 28 de abril de 2013

Blasfémia

Silêncio, meu Amor, não digas nada!
Cai a noite nos longes donde vim...
Toda eu sou alma e amor, sou um jardim,
Um pátio alucinante de Granada!

Dos meus cílios a sombra enluarada,
Quando os teus olhos descem sobre mim,
Traça trémulas hastes de jasmim
Na palidez da face extasiada!

Sou no teu rosto a luz que o alumia,
Sou a expressão das tuas mãos de raça,
E os beijos que me dás já foram meus!

Em ti sou Glória, Altura e Poesia!
E vejo-me − milagre cheio de graça! −
 

Dentro de ti, em ti igual a Deus!...”     

*Florbela Espanca*

Em “Obras Completas de Florbela Espanca”, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1ª Edição, 1985.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

"Lágrimas

Eu não sei o que tenho... Essa tristeza
Que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
Parece vir de alguma fonte amara
Ou de um rio de dor na correnteza.

Minh'alma triste na agonia presa,
Não compreende esta ventura clara,
Essa harmonia maviosa e rara
Que ouve cantar além, pela devesa.

Eu não sei o que tenho... Esse martírio,
Essa saudade roxa como um lírio,
Pranto sem fim que dos meus olhos corre,

Ai, deve ser o trágico tormento,
O estertor prolongado, lento, lento,
Do último adeus de um coração que morre...
"

*Auta de Souza*

Em “HORTO”, Natal-RN, Fundação José Augusto, 4ª edição, 1970.
"O Beija-Flor

Acostumei-me a vê-lo todo o dia
De manhãzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim - a pátria da ambrosia.

Pequeno e lindo, só me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro...
Vinha trazer às rosas o primeiro
Beijo do Sol, n'essa manhã tão fria!

Um dia, foi-se e não voltou... Mas, quando
A suspirar, me ponho contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho...

Digo, a pensar no tempo já passado;
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho!
"

*Auta de Souza*

Em “HORTO”, Natal-RN, Fundação José Augusto, 4ª edição, 1970.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

"MEU NOME É MULHER!

No princípio, eu era a Eva,
Criada para a felicidade de Adão.

E meu paraíso tornou-se trevas
Porque ousei libertação!


Mais tarde, fui Maria

Meu pecado remiria
Dando à luz Aquele
Que traria a salvação!
Mas isso não bastaria
Para eu encontrar perdão.


Passei a ser Amélia,
'A mulher de verdade'.
Para a sociedade
Não tinha a menor vaidade,
Mas sonhava com a igualdade!


Muito tempo depois decidi:
'Não dá mais!
Quero minha dignidade,
Tenho meus ideais!'


Hoje, não sou só esposa ou filha.
Sou pai, mãe, arrimo de família;
Sou caminhoneira, taxista,
Piloto de avião, policial feminina,
Operária em construção!


Ao mundo, peço licença
Para atuar onde quiser!
Meu sobrenome é Competência,
E meu nome é Mulher!...
"

*Fátima Aparecida Santos de Souza (Pérola Neggra)*

Extraí daqui: https://pt.calameo.com/read/00502538795898ec00ebb
Coração é terra que ninguém vê

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Sachei, mondei − nada colhi.
Nasceram espinhos
e nos espinhos me feri.

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Cavei, plantei.
Na terra ingrata
nada criei.

Semeador da Parábola...
Lancei a boa semente
a gestos largos...
Aves do céu levaram.
Espinhos do chão cobriram.
O resto se perdeu
na terra dura
da ingratidão

Coração é terra que ninguém vê
− diz o ditado.
Plantei, reguei, nada deu, não.
Terra de lagedo, de pedregulho,
− teu coração. Bati na porta de um coração.
Bati. Bati. Nada escutei.
Casa vazia. Porta fechada,
foi que encontrei...


*Cora Coralina*

Em “Melhores Poemas, Cora Coralina”, São Paulo, Editora Global, 1ª Edição, 2004.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

"Canção da mirada secreta

Foram-se os amores que tive
ou me tiveram:
partiram
num cortejo silencioso e iluminado.
O tempo me ensinou
a não acreditar demais na morte
nem desistir da vida: cultivo
alegrias num jardim
onde estamos eu, os sonhos idos,
os velhos amores e seus segredos.
E a esperança − que rebrilha
como pedrinhas de cor entre as raízes.


*Lya Luft*

Em “Secreta Mirada e Outros Poemas”, Rio de Janeiro, Editora Record, 2005.
Canção na plenitude

Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.

Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força
que vem do aprendizado.

Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés − mesmo se fogem − retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.


*Lya Luft*

Em “Secreta Mirada”, São Paulo, Editora Mandarim, 1997, pág. 151.

terça-feira, 23 de abril de 2013

"O Silêncio

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas

pelo silêncio fascinadas.
"

*Eugénio de Andrade*

Em “Obscuro Domínio”, Porto, Editora Limiar, 1978.
"Um dia perfeito

Hoje, queria um dia
feito de horas de oferecer.
Porque há dias diferentes.
Dias especiais
em que queremos encomendar o sol,
a luz do horizonte, a doçura do ar.

Queria oferecer um dia hoje.
Um dia perfeito.
Embrulhado em momentos guardados.
Talvez com uma fita cor de certeza calma,
e um laço pleno de voltas cúmplices.
Só um dia. Dado assim ...
"

*Mario Quintana*

Em “Mario Quintana - Poesia Completa”, Rio de Janeiro, 
Editora Nova Fronteira, Volume Único, 1ª Edição, 2005.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

"Se

Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem.
"

*Sophia de Mello Breyner Andresen*

Em “Obra Poética de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)”, Lisboa, 
Editorial Caminho, 2ª edição, 2004.
"Jardim Perdido

Jardim em flor, jardim de impossessão,
Transbordante de imagens mas informe,
Em ti se dissolveu o mundo enorme,
Carregado de amor e solidão.

A verdura das árvores ardia,
O vermelho das rosas transbordava
Alucinado cada ser subia
Num tumulto em que tudo germinava.

A luz trazia em si a agitação
De paraísos, deuses e de infernos,
E os instantes em ti eram eternos
De possibilidades e suspensão.

Mas cada gesto em ti se quebrou, denso
Dum gesto mais profundo em si contido,
Pois trazias em ti sempre suspenso
Outro jardim possível e perdido.
"

*Sophia de Mello Breyner Andresen*

Em “Obra Poética de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)”, Lisboa, 
Editorial Caminho, 2ª edição, 2004.

domingo, 21 de abril de 2013

"Brasília, capital da esperança

Em meio à terra virgem desbravada
na mais esplendorosa alvorada
feliz como um sorriso de criança
um sonho transformou-se em realidade
surgiu a mais fantástica cidade:
'Brasília, capital da esperança'
 Desperta o gigante brasileiro
desperta e proclama ao mundo inteiro
num brado de orgulho e confiança:
nasceu a linda Brasília:
a 'capital da esperança'
A fibra dos heróicos bandeirantes
persiste nos humildes e gigantes
que provam com ardor sua pujança,
nesta obra de arrojo que é Brasília.
Nós temos a oitava maravilha:
'Brasília, capital da esperança'."


*Letra: Capitão Furtado Melodia: Simão Neto*

P.S.: Parabéns, Brasília!...

sábado, 20 de abril de 2013

"Tu que me deste o teu cuidado...

Tu que me deste o teu carinho
E que me deste o teu cuidado,
Acolhe ao peito, como o ninho
Acolhe ao pássaro cansado,
O meu desejo incontentado.

Há longos anos ele arqueja
Em aflitiva escuridão.
Sê compassiva e benfazeja.
Dá-lhe o melhor que ele deseja:
Teu grave e meigo coração.

Sê compassiva. Se algum dia
Te vier do pobre agravo e mágoa,
Atende à sua dor sombria:
Perdoa o mal que desvaria
E traz os olhos rasos de água.

Não te retires ofendida.
Pensa que nesse grito vem
O mal de toda a sua vida:
Ternura inquieta e malferida
Que, antes, não dei nunca a ninguém.

E foi melhor nunca ter dado:
Em te pungido algum espinho,
Cinge-a ao teu peito angustiado.
E sentirás o meu carinho.
E sentirás o meu cuidado.
"

*Manuel Bandeira*

Em "Poesia Completa e Prosa", São Paulo, Editora Nova Fronteira, Volume Único, 5ª Edição, 2009.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

"Um poema triste

Eu escrevi um poema triste
e belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza,
mas das mudanças do Tempo
que ora nos traz esperanças,
ora nos dá incerteza…
Nem importa, ao velho Tempo,
que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
olhando as horas tão breves…
E, das cartas que me escreves,
faço barcos de papel!
"

*Mario Quintana*

Em “Mario Quintana - Poesia Completa”, Rio de Janeiro, 
Editora Nova Fronteira, Volume Único, 1ª Edição, 2005.

"Pudesse eu...

pudesse eu não ter laços nem limites,
ó vida de mil faces transbordantes,
para poder responder aos teus convites
suspensos na surpresa dos instantes!"

*Sophia de Mello Breyner Andresen*
Em “Obra Poética de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)”, Lisboa, 
Editorial Caminho, 2ª edição, 2004.