terça-feira, 2 de abril de 2013

"Escrevo dentro da noite

Estou escrevendo para não gritar.

Para não acordar

os que dormem felizes lado a lado,

os que repousam, aconchegados,

os que se encontram e continuam juntos

e não precisam sonhar

porque não dizem adeus...


Estou escrevendo para não gritar. Para enfunar o coração

ao largo.


E as palavras escorrem salgadas como um córrego de águas mortas

num silencioso pranto.

Tão perto, e nem percebes minha insônia. Nem ouves a confidência

que põe nódoas no papel para não ter que acordar-te

e se transmuda em palavras, que são estátuas de sal.


Estou escrevendo para não gritar. Para não ter tempo

de acompanhar a noite,

para não perceber que estou só, irremediavelmente só,

e que te trago comigo

sem outra alternativa que o pensamento

cela em que me debato a olhar a lua entre grades.

Estou escrevendo para não gritar. Para não perturbar

os que se amam

se juntam, e se estreitam, e sussurram na sombra

e passeiam ao luar,


para que as palavras chovam num dilúvio, silenciosamente,

e me alaguem, e me afoguem, e me deixem pela noite a dentro

como um corpo sem vida e sem alma,

a flutuar...

*J.G. de Araújo Jorge*

Em “A Sós...”, Rio de Janeiro, Casa Editôra Vecchi Ltda., 1ª Edição, 1958.

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