sábado, 31 de dezembro de 2016

Aos que visitaram este espaço ao longo de 2016, desejo que o ano de 2017 traga a todos o melhor da humanidade, muita fraternidade, saúde, paz, amor, amizade, prosperidade, alegrias e verdade! Tintim!...
No Breve Número

No breve número de doze meses
O ano passa, e breves são os anos,
Poucos a vida dura.
Que são doze ou sessenta na floresta
Dos números, e quanto pouco falta
Para o fim do futuro!
Dois terços já, tão rápido, do curso
Que me é imposto correr descendo, passo.
Apresso, e breve acabo.
Dado em declive deixo, e invito apresso
O moribundo passo.


*Ricardo Reis (pseudônimo de Fernando Pessoa)*
Em “ODES de RICARDO REIS”, Lisboa, Edições Ática, 1ª Edição, 1946.
POR ESTE ANOITECER… 

Por este anoitecer, o ano acaba.
Cinzento e azul no céu por entre as árvores,
acaba o calendário. Muitos crimes dele
serão futuras efemérides nos outros
que, folha a folha, acabarão também.

Como anoitece igual este ano às noites
com que, dia por dia, o ano foi passando
gregorianamente. O mundo ocidental,
cesáreo, atlântico, ex-mediterrânico,
conta do Cristo. Mas os outros mundos

também contarão dele, quando este ocidente
deixar de fingir dele − os deuses morrem −
para funções de calendário laico.
O tempo passa, os calendários mudam,
na vida e morte as horas se sepultam.

E, no entanto, o tempo vai conosco;
é desta Terra só, e só por haver outros
que de outros astros são por haver este
diverso tanto a cada movimento.
Por este anoitecer, o ano acaba.


*Jorge de Sena*
Em “40 ANOS DE SERVIDÃO”, Lisboa, 
(Círculo de Poesia) Moraes Editores, 2ª Edição Revista, 1978.
Tempo

Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez,
com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para adiante vai ser diferente.

Para você, desejo o sonho realizado.
O amor esperado. A esperança renovada.
Para você, desejo todas as cores desta vida.
Todas as alegrias que puderem sorrir.
Todas as músicas que puderem emocionar.

Para você, neste novo ano,
desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
que sua família seja mais unida,
que sua vida seja mais bem vivida.

Gostaria de lhe desejar tantas coisas...
Mas nada seria suficiente…
Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos.
Desejos grandes...
E que eles possam movê-lo a cada minuto,
no rumo da sua felicidade!


*Desconheço a autoria*
[Texto erroneamente atribuído a Mario Quintana e/ou Carlos Drummond de Andrade]

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Quatro anos de derramamentos líricos!...

Que este espaço possa ter muitos outros anos 
de belos poemas e inspirações da mais sublime lira!

domingo, 25 de dezembro de 2016

Poema De Natal

− Sino, claro sino,
tocas para quem?
− Para o Deus menino
que de longe vem.

− Pois se o encontrares
traze-o ao meu amor.
− E que lhe ofereces,
velho pecador?

− Minha fé cansada,
meu vinho, meu pão,
meu silêncio limpo,
minha solidão.


*Carlos Pena Filho*
Em “Livro Geral”, Recife, Gráfica e Editora Liceu, 1ª Edição, 1999.
Sinos de Natal

Sinos que bimbalhais dentro da noite, ó sinos
Que a vossa voz de bronze erguestes, em louvor
Desse amigo Jesus, que amou os pequeninos,
Que aos humanos legou o Evangelho do Amor!

Sinos que simbalhais! Olhai os desatinos
Deste mundo infeliz! Escutai o clamor
Dos que têm fome e frio e os seus tristes destinos
Açambarcados vêem pela miséria e a dor.

Sinos que badalais na noite que devia
Ser de ternura e paz, de encantamento e luz,
Calai-vos ou plangei, perante essa agonia.

Como plangeste quando aos braços de uma cruz
De espinhos coroado e ultrajado morria
O maior semeador do bem, que foi Jesus!


*Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein*
Poeta parnasiana brasileira, conhecida como “Colombina
Em “Versos em Lá menor”, São Paulo, São Editora Ltda., 1ª Edição, 1930.

domingo, 11 de dezembro de 2016

Nota Introdutória
 
As fábulas constituem um alimento espiritual correspondente ao leite na primeira infância.
Por intermédio delas a moral, que não é outra coisa mais que a própria sabedoria da vida acumulada na consciência da humanidade, penetra na alma infante, conduzida pela loquacidade inventiva da imaginação.
Esta boa fada mobiliza a natureza, dá fala aos animais, às árvores, às águas e tece com esses elementos pequeninas tragédias donde resulte a ‘moralidade’, isto é, a lição da vida.
O maravilhoso é o açúcar que disfarça o medicamento amargo e torna agradável a sua ingestão.


*Monteiro Lobato*
Em “Fábulas”, São Paulo, Editora Brasiliense, 50ª Edição, 1994.
Diálogo de D. Benta com os seus netos logo após a leitura da fábula “O Cão e o Lobo”:
 
[...]

Fez muito bem! – berrou Emília. Isso de coleira o diabo queira...
Narizinho bateu palmas.
– E não é que ela fez um versinho, vovó? ‘Isso de coleira, o diabo queira...’ Bonito, hein?...
– Bonito e certo – continuou Emília. Eu sou como esse lobo. Ninguém me segura. Ninguém me bota coleira. Ninguém me governa. Ninguém me...
– Chega de
mes, Emília. Vovó está com cara de querer falar sobre a liberdade.
– Talvez não preciso, minha filha. Vocês sabem tão bem o que é liberdade que nunca me lembro de falar disso.
– Nada mais  certo, vovó!  –  gritou Pedrinho. Este seu sítio é o suco da liberdade; e se eu fosse refazer a natureza, igualava o mundo a isto aqui.
Vida boa, vida certa, só no Picapau Amarelo.
– Pois o segredo, meu filho, é um só: liberdade. Aqui não há coleiras. A grande desgraça do mundo é a coleira. E como há coleiras espalhadas pelo mundo!


*Monteiro Lobato*
Em “Fábulas”, São Paulo, Editora Brasiliense, 50ª Edição, 1994.
Senhor, eu não sou digno

Para que cantarei nas montanhas sem eco
As minhas louvações?
A tristeza de não poder atingir o infinito
Embargará de lágrimas a minha voz.
Para que entoarei o salmo harmonioso
Se tenho na alma um de-profundis?
Minha voz jamais será clara como a voz das crianças
Minha voz tem as inflexões dos brados de martírio
Minha voz enrouqueceu no desespero...
Para que cantarei
Se em vez de belos cânticos serenos
A solidão escutará gemidos?
Antes ir. Ir pelas montanhas sem eco
Pelas montanhas sem caminho
Onde a voz fraca não irá.
Antes ir - e abafar as louvações no peito
Ir vazio de cantos pela vida
Ir pelas montanhas sem eco e sem caminho, pelo silêncio
Como o silêncio que caminha...


*Vinicius de Moraes*
Em “O CAMINHO PARA A DISTÂNCIA”, Rio de Janeiro, 
Editora Companhia Das Letras, 1ª Edição, 2008.

domingo, 4 de dezembro de 2016

O que se foi

O que se foi se foi.
Se algo ainda perdura
é só a amarga marca
na paisagem escura.

Se o que se foi regressa,
traz um erro fatal:
falta-lhe simplesmente
ser real.

Portanto, o que se foi,
se volta, é feito morte.
Então por que me faz
o coração bater tão forte?


*Ferreira Gullar*

Em “Poesia Completa, Teatro e Prosa (Volume Único)”, São Paulo, Editora Nova Aguilar, 1ª Edição, 2008.
Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
− que é uma questão
de vida ou morte −
será arte?


*Ferreira Gullar*

Em “Poesia Completa, Teatro e Prosa (Volume Único)”, São Paulo, Editora Nova Aguilar, 1ª Edição, 2008.
Neste leito de ausência

Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta o longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.

O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.

Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho − o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.

Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.


*Ferreira Gullar*

Em “Poesia Completa, Teatro e Prosa (Volume Único)”, São Paulo, Editora Nova Aguilar, 1ª Edição, 2008.