quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

O Ano Novo ainda não tem pecado:
É tão criança…
Vamos embalá-lo…
Vamos todos cantar juntos em seu berço de mãos dadas,
A canção da eterna esperança.

   
*Mario Quintana*

Em “Mario Quintana - Poesia Completa”, Rio de Janeiro, 
Editora Nova Fronteira, Volume Único, 1ª Edição, 2005.
Se chovesse felicidade, eu lhe desejaria 
uma tempestade”!...
Feliz 2015!
Tintim!
ANO NOVO

Meia-noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
nenhum indício.

Olho o céu:
o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio
da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça
nada ali indica
que um ano novo começa.

E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.

Começa como a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho
estelar
que sonha
(e luta).


*Ferreira Gullar*
Em “Barulhos”, Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1987.
Ontem, 30 de dezembro de 2014,
este Blogue completou dois anos de existência... 
Que além dos aniversários e através do sempre 
possamos continuar adentrando, surdamente,
no reino dos poemas!...

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014


Então é Natal
E o que você fez?
O ano termina
E nasce outra vez

[...]
 
OBSERVAÇÃO:
Trecho da canção Então É Natal”, versão abrasileirada da música de *John Lennon e Yoko Ono*  – “Happy Xmas (War Is Over)” –, escrita por *Cláudio Rabello*, gravada no CD “25 de Dezembroe cantada por *Simone*.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Natal

Velho Menino-Deus que me vens ver
Quando o ano passou e as dores passaram:
Sim, pedi-te o brinquedo, e queria-o ter,
Mas quando as minhas dores o desejaram...

Agora, outras quimeras me tentaram
Em reinos onde tu não tens poder...
Outras mãos mentirosas me acenaram
A chamar, a mostrar e a prometer...

Vem, apesar de tudo, se queres vir.
Vem com neve nos ombros, a sorrir
A quem nunca doiraste a solidão...

Mas o brinquedo... quebra-o no caminho.
O que eu chorei por ele! Era de arminho
E batia-lhe dentro um coração...


*Miguel Torga*
Em "Poesia Completa", Coimbra, Publicações Dom Quixote, Volume II,
 2ª Edição, 2002.
Último Natal
 
Menino Jesus, que nasces
Quando eu morro,
E trazes a paz
Que não levo,
O poema que te devo
Desde que te aninhei
No entendimento,
E nunca te paguei
A contento
Da devoção,
Mal entoado,

Aqui te fica mais uma vez
Aos pés,
Como um tição
Apagado,
Sem calor que os aqueça.
Com ele me desobrigo e desengano:
És divino, e eu sou humano,
Não há poesia em mim que te mereça.


*Miguel Torga*
Em "Poesia Completa", 
Lisboa, Publicações Dom Quixote, Vol. II, 2ª Edição, 2002.

domingo, 7 de dezembro de 2014

ANGELUS

                                                      A Filinto d'Almeida

Desmaia a tarde. A pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece;
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Angelus ao soluço agonico e plangente.

Psalmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céo numa ascenção ardente.
E enquanto o vento chora e o crepusculo desce,
A Ave Maria vai cantando, tristemente.

Nest’hora, muitas vezes, em que falla a saudade
Pela bocca da noite e pelo som que passa,
Lausperenne de amor cuja magua me invade,

Desejo ser a noite, ebria e douda
De trevas, o silencio, a nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda
.”

*Francisca Júlia da Silva Munster*
Em "Esphinges (Versos)", Editores Bentley Junior & Comp., Primeiro milheiro, 1903.
A’ NOITE

Eis-me a pensar, enquanto a noite envolve a terra;
Olhos fitos no vácuo, a amiga penna em pouso.
Eis-me, pois, a pensar… De antro em antro, de serra
Em serra, echoa, longo, um requiem doloroso.

No alto uma estrêlla triste as pálpebras descerra,
Lançando, noite dentro, o claro olhar piedoso.
A alma das sombras dorme; e pelos ares erra
Um mórbido languor de calma e de repouso…

Em noite assim, de repouso e de calma,
E’ que a alma vive e a dor exulta, ambas unidas,
A alma cheia de dor, a dor tão cheia de alma…

E’ que a alma se abandona ao sabor dos enganos,
Antegosando já chimeras presentidas
Que, mais tarde, hão - de vir com o decorrer dos annos.


*Francisca Júlia da Silva Munster*
Em "Mármores", São Paulo, Horácio Belfort Sabino Editor, 1895.
CREPÚSCULO

                                                             A Maria Clara da Cunha Santos


Todas as cousas têm o aspecto vago e mudo,
Como se as envolvesse uma bruma de incenso;
No alto, uma nuvem, só, num nastro largo e extenso,
Precinta do céo calmo a caris de velludo.

Tudo: o campo, a montanha, a rocha de alto agudo,
Se esfuma numa suave água-tincta… e, suspenso,
Espalhando-se no ar, como um nevoeiro denso,
Um tom neutro de cinza empoeirando tudo.

Nest’hora, muita vez, sinto um molle cansaço,
Como que o ar me falta e a força se me esgota…
Som de Angelus, moroso, a rolar pelo espaço…

Neste lethargo que, pouco a pouco, me invade,
Avulta e cresce dentro em mim essa remota
Sombra da minha Dor e da minha Saudade...


*Francisca Júlia da Silva Munster*
Em "Esphinges (Versos)", Editores Bentley Júnior & Comp., Primeiro milheiro, 1903.
DE JOELHOS

                                                      A Santa Teresa

Reza de manso... Toda de roxo,
A vista no tecto presa,
Como que imita a tristeza
Daquelle cirio tremulo e frouxo...

E assim, mostrando todo o desgosto
Que sobre sua alma pesa,
Ella reza, reza, reza,
As mãos erguidas, pállido o rosto...

O rosto pállido, as mãos erguidas,
O olhar choroso e profundo,
Parece estar no Outro-Mundo
De outros mystérios e de outras vidas...

Implora ao Cristo, seu Casto Esposo,
Numa prece ou num transporte,
O termo final da Morte,
Para descanso, para repouso...

Psalmos doridos, cantos aéreos,
Melodiosos gorgeios
Roçam-lhe os ouvidos, cheios
De mysticismos e de mystérios.

Reza de manso, reza de manso,
Implorando ao Casto Esposo
A Morte para repouso,
Para socego, para descanso

D'alma e do corpo, que se consomem,
Num desanimo profundo,
Ante as misérias do Mundo,
Ante as misérias tão baixas do Homem!

Quanta tristeza, quanto desgosto
Mostra n'alma aberta e franca,
Quando fica, branca, branca,
As mãos erguidas, pállido o rosto...

O rosto pállido, as mãos erguidas,
O olhar choroso e profundo,
Parece estar no Outro-Mundo
De outros mystérios e de outras vidas.


*Francisca Júlia da Silva Munster*
Em "Esphinges (Versos)", Editores Bentley Júnior & Comp., Primeiro milheiro, 1903.
[...]

Peço-te. Não pises as violetas
que trago no olhar. Cheiram a ti. São para ti.
Um “bouquet” de palavras que floriram
neste tempo de amor.


*Joaquim Pessoa*
Fragmento do "Poema Quadragésimo Sexto", 
Em "GUARDAR O FOGO", Editora Edições Esgotadas, 2013.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

  Tão sutilmente em tantos breves anos
 
[...]

Tão sutilmente em tantos breves anos
foram se trocando sobre os muros
mais que desigualdades, semelhanças,
que aos poucos dois são um, sem que no entanto
deixem de ser plurais:
talvez as asas de um só anjo, inseparáveis.

Presenças, solidões que vão tecendo a vida,
o filho que se faz, uma árvore plantada,
o tempo gotejando do telhado.
Beleza perseguida a cada hora, para que não baixe
o pó de um cotidiano desencanto.

Tão fielmente adaptam-se as almas destes corpos
que uma em outra pode se trocar,
sem que alguém de fora o percebesse nunca.


[...]

Um anjo vem todas as noites:
senta-se ao pé de mim, e passa
sobre meu coração a asa mansa,
como se fosse meu melhor amigo.

 

[...]

Esse fantasma que chega e me abraça
(asas cobrindo a ferida do flanco)
é todo o amor que resta
entre ti e mim, e está comigo.


[...]

Se te pareço ausente, não creias:
hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos mais promessas.
Não acredites nesse breve sono;
não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
Não creias também: é preciso encostar
teus lábios nos meus lábios para ouvir.


Nem acredites se pensas que te falo:
Palavras são meu jeito mais secreto de calar.”

 

[...]

*Lya Luft*  

  Em "Mulher no Palco", São Paulo, Editora Siciliano, 1984.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

A mais dolorosa das histórias

Silêncio,
Façam silêncio
Quero dizer-vos minha tristeza
Minha saudade e a dor
A dor que há no meu canto

Oh, silenciai
Vós que assim vos agitais
Perdidamente em vão
Meu coração vos canta
A mais dolorosa das histórias
Minha amada partiu
Partiu

Oh, grande desespero de quem ama
Ver partir o seu amor.


*Letra: Vinicius de Moraes/Composição: Claudio Santoro*

terça-feira, 16 de setembro de 2014

O Livro dos Amantes

[...]

IX

Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.


*Natália Correia*
Em  “Natália Correia - Poesia Completa”, Lisboa, 

Editora Publicações Dom Quixote, 4ª Edição/Reimpressão,1999.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O Vale

Sou como um vale, numa tarde fria,
Quando as almas dos sinos, de uma em uma,
No soluçoso adeus da ave-maria
Expiram longamente pela bruma.

É pobre a minha messe. É névoa e espuma
Toda a glória e o trabalho em que eu ardia...
Mas a resignação doura e perfuma
A tristeza do termo do meu dia.

Adormecendo, no meu sonho incerto
Tenho a ilusão do prêmio que ambiciono:
Cai o céu sobre mim em pirilampos...

E num recolhimento a Deus oferto
O cansado labor e o inquieto sono
Das minhas povoações e dos meus campos.


*Olavo Bilac*
Em “O Caçador de Esmeraldas e outros poemas”, Rio de Janeiro, Editora Ediouro, 1997, pág. 80.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O Que Desejei às Vezes 


O que desejei às vezes
 Diante do teu olhar,
Diante da tua boca!

Quase que choro de pena
Medindo aquela ansiedade
Pela de hoje - que é tão pouca!

Tão pouca que nem existe!

De tudo quanto nós fomos,
Apenas sei que sou triste.


*António Tomás Botto*

  Em "Livro na Rua" (Biblioteca do Cidadão, Série Escritores Portugueses Clássicos),
  Thesaurus Editora de Brasília, 2006

domingo, 24 de agosto de 2014

Memorando

Então me concentrei dizendo:
Guarda-a na memória esta paisagem
que não se repetirá na face da terra
com as mesmas indefinidas cores.
E esse vulto que teus olhos não verão de novo
passar com idênticos movimentos rítmicos.
E essa voz que te saudou do outro lado do oceano
assim como um fugidio marulho de ondas.
A paisagem desapareceu entre as cinzas do informe.
O vulto não regressou em sucedimento a si próprio.
A voz perdeu o timbre no exaurir da mensagem.
Mas por milagre se conservam tangíveis
dentro de um vago mundo sem dimensões
a paisagem o vulto a voz
que de longe em longe reencontro.
Aquela paisagem ninguém a viu como eu.
Aquele vulto não foi captado senão por mim.
Aquela voz me tocou e não a outrem.
Frágil tesouro da memória
– antes que a noite me desarme –
por algum tempo ainda resguardado.


*Henriqueta Lisboa*
Em “Pousada do ser”, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1982.

sábado, 19 de julho de 2014

CARTA DA INFÂNCIA

Amigo Luar:

Estou fechado no quarto escuro
e tenho chorado muito.
Quando choro lá fora
ainda posso ver as lágrimas caírem na palma das minhas mãos e
brincar com elas ao orvalho nas flores pela manhã.
Mas aqui é tudo por demais escuro
e eu nem sequer tenho duas estrelas nos meus olhos.
Lembro-me das noites em que me fazem deitar tão cedo e te oiço
bater, chamar e bater, na fresta da minha janela.
Pelo muito que te tenho perdido enquanto durmo
vem agora,
no bico dos pés
para que eles te não sintam lá dentro,
brincar comigo aos presos no segredo
quando se abre a porta de ferro e a luz diz:
bons dias, amigo.

*Carlos de Oliveira*
Em “Trabalho Poético”, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 2ª Edição, 1982.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

As rosas

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.

*Sophia de Mello Breyner Andresen*
 Em “Dia do Mar”, Lisboa, Edições Ática, 3ª edição, 1974.
ENTRE LUZ & SOMBRAS

Coloco-me de costas para o sol nascente
a sombra me vai só na via da lembrança
e o meu amor vai só na alma indiferente
jacente na canção remota da esperança.

Lembro de sonhos do futuro no presente
de reviver amores que o esperar alcança
das rosas fugidias de um jardim ausente
a despeito dos amanhãs em abundância.

A noite é feita de uma luz remanescente
a beirada da aurora é que me recomeça
pela estrada de volta para o meu futuro.

Vaga-me a alma pelos restos do poente
chegar é só o sonho para quem começa
e começar é conseguir andar no escuro.


*Afonso Estebanez*

Copiei daqui: http://www.recantodasletras.com.br/sonetos/1366181