terça-feira, 19 de junho de 2018

Aniversário!

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58 são os anos que já se passaram, anos mergulhados no passado, anos com que não posso mais contar, anos que já se queimaram e que não mais se acenderão, como paus de fósforos riscados. Os anos de uma vida nunca se somam; eles sempre se subtraem.

Assim, a pergunta correta a ser feita, especialmente num aniversário, não é ‘quantos anos você está fazendo?’, mas antes, ‘quantos anos você está desfazendo?’ E as respostas, para serem verdadeiras, terão de assumir a forma de ‘eu não tenho 25 anos’, ‘eu não tenho 37 anos’, ‘eu não tenho 72 anos’...


[...] 
 
As liturgias de aniversário, de forma sub-reptícia, anunciam a verdade que a regra de etiqueta deseja esconder. Tanto assim que elegeram, como forma de celebrar o evento, o sopro das velas.
 
Lá estão as velas, sobre o bolo, chamas acesas, no número exato dos anos vividos. Vem o aniversariante sorridente e inocente, sem saber direito o que está fazendo, e com um único sopro apaga as velas. 

[...] 
 
A cada aniversário que se celebrar a vela sairá do seu lugar, cada vez menor, para ser de novo acesa, repetindo a eterna lição de que, se é verdade que a vida se apaga facilmente com o sopro de um vento, é verdade também que ela se acende de novo ao ser tocada pela chama...

*Rubem Alves
*
 Em “O RETORNO E TERNO CRÔNICAS RUBEM ALVES”, São Paulo, Papirus Editora, 29ª Edição, 1992.
Velhinha

Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente para mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:
– ‘Já ela é velha! Como o tempo passa!...’

Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio d’oiro que esvoaça!
Deixem correr a vida até ao fim!

Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente...
Já murmuro orações... falo sozinha...

E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos...


*Florbela Espanca*

Em “SONETOS COMPLETOS - Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade,
Charneca em Flor, Reliquiae
”, Coimbra, Editora Livraria Gonçalves, 8ª Edição, 1950.
Envelhecer 
 
II

Boa noite, velhice, vens tão cedo!
Não esperava, agora, a tua vinda.
Eu tão despreocupado estava, ainda,
Levando a vida como num brinquedo…

Tens tão meigo sorriso e um ar tão ledo;
Nos teus cabelos como a prata é linda!
Ao meu teto, velhice, sê bem-vinda!
Fica à vontade. Não me fazes medo.

E ela assim me falou, em tom amigo:
– Estranha me supões, mas, em verdade,
Há muito tempo que, ao teu lado, eu sigo.

Mas, da vida na estúrdia alacridade,
Não me viste viver, seguir contigo…
Eu sou, amigo, a tua mocidade.


*Bastos Tigre*
Em “Antologia poética de Bastos Tigre” (2 Volumes),
Rio de Janeiro, Editora Francisco Alves/INL, 1982.

Idade

Mente o tempo:
a idade que tenho
só se mede por infinitos.

Pois eu não vivo por extenso.

Apenas fui a vida
em relampejo do incenso.

Quando me acendi
foi nas abreviaturas do imenso.


*Mia Couto*
Em “vagas e lumes”, Lisboa, Editorial Caminho, 1ª Edição, 2014.
O espelho

Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.

A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos.


*Mia Couto*
Em “Idades Cidades Divindades poesia” Lisboa, Editorial Caminho, 1ª Edição, 2007.