domingo, 18 de maio de 2014

PACTO DE ALMAS

A NESTOR VICTOR
Por devotamento e admiração
12 de Outubro de 1897.


I

PARA SEMPRE

Ah! para sempre! para sempre! Agora
Não nos separaremos nem um dia...
Nunca mais, nunca mais, nesta harmonia
Das nossas almas de divina auróra.

A voz do céo póde vibrar sonóra
Ou do Inferno a sinistra symphonia,
Que n'um fundo de astral melancholia
Minh'alma com a tu'alma góza e chóra.

Para sempre está feito o augusto pacto!
Cégos seremos do celeste tacto,
Do Sonho envôltos na estrellada rêde,

E perdidas, perdidas no Infinito
As nossas almas, no clarão bemdito,
Hão de emfim saciar toda esta sêde...

II

LONGE DE TUDO

É livres, livres desta vã matéria,
Longe, nos claros astros peregrinos
Que havemos de encontrar os dons divinos
E a grande paz, a grande paz sidérea.

Cá nesta humana e trágica miséria,
Nestes surdos abysmos assassinos
Teremos de colher de atros destinos
A flor apodrecida e deletéria.

O baixo mundo que troveja e brama
Só nos mostra a caveira e só a lama,
Ah! só li lama e movimentos lassos...

Mas as almas irmãs, almas perfeitas;
Hão de trocar, nas Regiões eleitas,
Largos, profundos, immortaes abraços!

III

ALMA DAS ALMAS

Alma das almas, minha irmã gloriosa,
Divina irradiação do Sentimento,
Quando estarás no azul Deslumbramento,
Perto de mim, na grande Paz radiosa?!

Tu que és a lua da Mansão de rosa
Da Graça e do supremo Encantamento,
O cyrio astral do augusto Pensamento
Velando eternamente a Fé chorosa;

Alma das almas, meu consolo amigo,
Seio celeste, sacrosanto abrigo,
Serena e constellada immensidade;

Entre os teus beijos de ethereal caricia,
Sorrindo e soluçando de delicia,
Quando te abraçarei na Eternidade?!


*Cruz e Sousa*
Em “Últimos Sonetos”, Editora Aillaud & Cia., 1905, págs.195/200.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Silêncios

Largos Silêncios interpretativos,
Adoçados por funda nostalgia,
Balada de consolo e simpatia
Que os sentimentos meus torna cativos;

Harmonia de doces lenitivos,
Sombra, segredo, lágrima, harmonia
Da alma serena, da alma fugidia
Nos seus vagos espasmos sugestivos.

Ó Silêncios! Ó cândidos desmaios,
Vácuos fecundos de celestes raios
De sonhos, no mais límpido cortejo...

Eu vos sinto os mistérios insondáveis,
Como de estranhos anjos inefáveis
O glorioso esplendor de um grande beijo!


*Cruz e Sousa*

 Em “Últimos Sonetos”, Rio de Janeiro,
Editora da UFSC/Fundação Casa de Rui Barbosa/FCC, 1984.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Amém

Hoje acabou-se-me a palavra
e nenhuma lágrima vem.
Ai, se a vida se me acabara
também!

A profusão do mundo, imensa,
tem tudo, tudo – e nada tem.
Onde repousar a cabeça?
No além?

Fala-se com os homens, com os santos,
consigo e com Deus… E ninguém
entende o que se está contando
e a quem…

Mas terra e sol, luas e estrelas
giram de tal maneira bem
que a alma desanima de queixas.
Amém.


*Cecília Meireles*
Em “Antologia Poética”, Organização da Autora, Rio de Janeiro,
Editora Nova Fronteira, 3ª edição, 2001, pág. 54.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Chamo-Te

Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.
Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só de Teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que não quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o Teu reino antes do tempo venha
E se derrame sobre a Terra
Em Primavera feroz precipitado.


*Sophia de Mello Breyner Andresen*
Em “Obra poética”, Edição de Carlos Mendes de Sousa,
Alfragide (Portugal), Editorial Caminho, 2011, pág.201.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Houve um poema

Houve um poema,
entre a alma e o universo.
Não há mais.
Bebeu-o a noite, com seus lábios silenciosos.
Com seus olhos estrelados de muitos sonhos.

Houve um poema:
Parecia perfeito.
Cada palavra em seu lugar,
como as pétalas nas flores
e as tintas no arco-íris.
No centro, mensagem doce
E intransmitida jamais.

Houve um poema:
e era em mim que surgia, vagaroso.
Já não me lembro, e ainda me lembro.
As névoas da madrugada envolvem sua memória.
É uma tênue cinza.
O coral do horizonte é um rastro de sua cor.
Derradeiro passo.

Houve um poema.
Há esta saudade.
Esta lágrima e este orvalho – simultâneos

que caem dos olhos e do céu.


*Cecília Meireles*

Em “Poesias Completas de Cecília Meireles, Viagem, Vaga Música”, Rio de Janeiro, 
Editora Civilização Brasileira - MEC, Volume 2, 1973.
(
penúltima obra publicada, Metal rosicler”, Canto XLIV, 1960)
Essa ‘Aritmética’...

Antes, eu era apenas metade
de um Ser, a pervagar sem rumo certo,
à procura ideal dessa unidade
que é como um novo mundo descoberto.

Enquanto sós, que somos? Um deserto
a nos pesar com sua imensidade,
existir só começa, a céu aberto,
quando dois são um só – eis a verdade!

Eu vinha por aí, aos solavancos,
como se diz: aos trancos e barrancos,
um pedaço a rolar, uma metade

de um Ser, mas quis a sorte, nos achamos,
e ao nos somarmos, nos multiplicamos
nessa aritmética da felicidade.


*J. G. de Araújo Jorge*

Em "Tempo Será", Rio de Janeiro, Editora Record, 1ª Edição, 1986.
Fonte: http://www.jgaraujo.com.br/