“Orgulho
A Sócrates Dinis
Quando todos começarmos do chão como as sementes,
como as árvores fortes, como as árvores úteis,
e não houver parasitas dos ramos alheios;
quando a terra pertencer aos homens, como aos rios
que a fecundam sem ver cercados nem fronteiras;
e tudo o que existir, e o que for encontrado,
a água pura, o petróleo, o ouro, o fruto agreste,
não tiver donos também, como as auroras e os crepúsculos,
como as estrelas e a noite, como as nuvens e o sol;
quando houver sempre um teto sobre todas as cabeças
resguardando-as das chuvas, protegendo-as dos ventos,
como há sempre sobre nós o côncavo dos céus;
quando todos tiverem jardins, flores e pássaros,
ou crianças barulhentas, sadias e tagarelas,
e tiverem a horas certas, na mesa branca, o pão,
e a horas incertas no leito, o remédio necessário;
quando o trabalho for leve, alegre como a música
nas horas de prazer e despreocupação,
e em verdade, for a alegria e a música da vida;
quando a boca que se abre pela primeira vez
tiver um seio farto e o cuidado da ciência;
e a infância, liberdade, brinquedos e recreios,
e a juventude, livros, planos e companheiras,
e os homens todos, os mesmos meios de conquista,
e já não existir medo do mundo nem da vida
porque a vida e o mundo estarão ao nosso alcance;
quando a velhice não tiver mais receio do tempo
porque o tempo a levará em segurança ao fim;
quando já não houver trabalhos dignos e indignos
porque todas as parcelas estarão na mesma soma,
e o sábio e o operário, o artista e o camponês,
seguirem, paralelamente, os seus caminhos,
sem nunca se encontrar, mas sem humilhações;
quando as gramáticas e as raças não separarem os homens
porque todos se entenderão sem raças nem gramáticas,
e verão que mais além das cores e dos idiomas
está o Homem – e só por isso, somos iguais e irmãos;
quando nossos filhos crescerem sem a angústia do futuro
e nós vivermos em paz sem as incertezas do presente,
e já não restar vestígios do ódio perdido no passado;
quando todos os templos erguerem sobre a terra
suas torres, minaretes, cruzes ou abóbadas,
e sobre eles, mais alto, o céu se desdobrar
para que todos os olhos se encontrem e se compreendam;
quando todos começarmos do chão como as sementes
embora os galhos se elevem às mais várias alturas
e façam sobre o solo as sombras mais diversas;
e todos forem donos de seus próprios pés
e todos forem donos de suas próprias mãos,
e do seu pensamento, e do seu coração;
quando, enfim, nos tornarmos Senhores de nós mesmos,
e não houver falsas leis servindo aos poderosos
e a justiça socorrer, na rua, aos homens todos;
quando chegar o momento em que a força será inútil,
porque todos seremos fortes e nada nos vencerá,
e não houver grades nos olhos, e não houver ferros nos pulsos,
nem morais absurdas que nos deformem e domem:
– então, sim, bendirei o instante em que nasci
e sentirei o orgulho de ser homem!”
*J. G. de Araújo Jorge*
Em “ANTOLOGIA POÉTICA – Volume I”, Rio de Janeiro, Editora Novo Tempo Edições, 2ª Edição, 1982.