domingo, 10 de dezembro de 2017

Final

Eu sei de alguém, de um pobre alguém desconhecido,
Que, em certa noite de imortal deslumbramento,
Há de surgir da névoa plácida do olvido,

E há de me ver, depois de tanto sofrimento,
Na paz de quem, nunca tivesse padecido...

Eu sei de alguém, de um pobre alguém que não conhece
A minha vida, a minha sorte, o meu destino,
E que nessa noite, num total desinteresse,

Há de fazer chorar por mim, à alma de um sino,
O largo choro funerário de uma prece...

Eu sei de alguém que, muito longe ou muito perto,
Me há de trazer como presente o longo cofre,
Que todo de oiro e panos roxos vem coberto

E onde se esquece o que se goza e o que se sofre,
Depois da inútil caminhada no Deserto...

Eu sei de alguém, de um pobre alguém pálido e grave,
Que, nessa noite numa semi-sonolência,
Talvez, moroso, maquinal, paciente, cave

O meu caminho para fora da existência...
O meu caminho muito acerbo ou muito suave...

Eu sei de Alguém que tinha n'alma eremitérios
Para o silêncio dos meus êxtases de monge,
Que talvez sofra, de olhos tristes, lábios sérios,

Pensando em mim, pensando em mim, que estou tão longe,
Nas noites brancas em que há luar nos cemitérios...

..........................................................................................................

Oh! todos vós, ó meus irmãos, que, tarde ou cedo,
Piedosamente haveis de vir em meu socorro,
Para que finde este tristíssimo Degredo,

Que a vossa morte seja a Morte de que morro:
Morte sem mal, Morte sem dor, Morte sem medo!...


*Cecília Meireles*
Em “BALADAS PARA EL-REI”, São Paulo, Editora Global, 2ª edição, 2017.

Nenhum comentário: