sábado, 19 de julho de 2014

CARTA DA INFÂNCIA

Amigo Luar:

Estou fechado no quarto escuro
e tenho chorado muito.
Quando choro lá fora
ainda posso ver as lágrimas caírem na palma das minhas mãos e
brincar com elas ao orvalho nas flores pela manhã.
Mas aqui é tudo por demais escuro
e eu nem sequer tenho duas estrelas nos meus olhos.
Lembro-me das noites em que me fazem deitar tão cedo e te oiço
bater, chamar e bater, na fresta da minha janela.
Pelo muito que te tenho perdido enquanto durmo
vem agora,
no bico dos pés
para que eles te não sintam lá dentro,
brincar comigo aos presos no segredo
quando se abre a porta de ferro e a luz diz:
bons dias, amigo.

*Carlos de Oliveira*
Em “Trabalho Poético”, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 2ª Edição, 1982.