domingo, 4 de dezembro de 2016

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
− que é uma questão
de vida ou morte −
será arte?


*Ferreira Gullar*

Em “Poesia Completa, Teatro e Prosa (Volume Único)”, São Paulo, Editora Nova Aguilar, 1ª Edição, 2008.

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