domingo, 30 de junho de 2013

De que são feitos os dias?

De que são feitos os dias?
− De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
− do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...


*Cecília Meireles*

Em “Antologia Poética”, Organização da Autora, Rio de Janeiro, 
Editora Nova Fronteira, 3ª edição, 2001.

3 comentários:

Brilho disse...

Compartilho...

Da Saudade

A natureza da saudade é ambígua: associa sentimentos de
solidão e tristeza – mas, iluminada pela memória, ganha
contorno e expressão de felicidade.

Quando Garrett a definiu como:
“delicioso pungir de acerbo espinho”, estava realizando a
fusão desses dois aspectos opostos na fórmula feliz de um
verso romântico. Em geral, vê-se na saudade o sentimento
de separação e distância daquilo que se ama e não se tem.

Mas todos os instantes da nossa vida não vão sendo perda,
separação e distância? O nosso presente, logo que alcança
o futuro, já o transforma em passado.

A vida é constante perder.
A vida é, pois, uma constante saudade.

Há uma saudade queixosa: a que desejaria reter, fixar,
possuir. Há uma saudade sábia, que deixa as coisas
passarem, como se não passassem.

Livrando-as do tempo, salvando a sua essência da
eternidade. É a única maneira, aliás, de lhes dar
permanência: imortalizá-las em amor.
O verdadeiro amor é, paradoxalmente, uma
saudade constante, sem egoísmo nenhum.

Cecília Meireles

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Versos a uma árvore

Naquela árvore vejo o meu próprio destino:
- brota da terra, cresce, reverdece e enflora!
ontem, - pequeno arbusto humilde e pequenino,
tronco a elevar-se altivo pelo espaço, - agora...

Naquela árvore vejo a minha própria vida,
veio do mesmo pó de onde todos brotamos,
e no esforço da luta e na ânsia da subida
desconjuntou seus galhos... retorceu seus ramos! ...

Em mim, o homem rasgou minha alma e a encheu talvez
de feridas mortais e eternas cicatrizes
nela, - o tronco marcou, quebrou seus ramos, fez
talhos por onde foge a seiva das raízes...

Naquela árvore humana um destino se encerra:
para viver: - lutou! ... para subir: - sofreu!...
E transformou em flor e em fruto o húmus da terra,
e indiferente, ao mundo, os ofertou como eu!

Se se cobriu de folhas, de botões surgidos
à flor da fronde assim como pingos de aurora,
- por dentro, os galhos tortos, rudes, retorcidos,
são as ânsias de dor que ninguém vê por fora...

Por consolo, - quem sabe? - a Natureza deu
ao peito de alguns homens coração de poeta,
assim como as ramagens do arvoredo, encheu
com a música das aves, gorjeante e inquieta...

Naquela árvore, vejo a minha própria vida;
no ser: - a mesma seiva bruta e dolorida;
na face: - a fronde em flor sob a luz e os orvalhos...

E o seu consolo e o meu, e o consolo da gente,
são os pássaros a encher de sons alegremente
as dores e as torturas íntimas dos galhos!

J. G. de Araújo Jorge


Deixo-lhe meu mais terno abraço!

Elaine Bastos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Elaine Bastos disse...

BIluminado! Bem-vinda, SEMPRE!

Que poemas encantadores!...
Por algum motivo... creio que
grande parte de tudo é pura poesia!...
Independente dos desvarios...
Só os versos compreenderiam o amor,
ou em sentido inverso...
Acredite... nessa mesma data, 02.07.2013,
pensei em publicar o poema de J.G.
neste espaço...
E assim o é com
muitos dos poemas que você envia.
Temos sensibilidade e gostos parecidos...
Parafraseando-lhe: o meu abraço
lhe abraça com estima.
Até!