quarta-feira, 5 de junho de 2013

Cantiga do pressentir

A noite já nos espreita
e permaneço esquecida
à beira do meu destino.
És tardo porque ignoras
que vivo do que adivinho.

Repele a palavra esquiva
não te cubras de distância,
estende um lenço, um soluço,
troca teus olhos de ausente
por dois claros de esperança.

E vem, que te aguardo ainda
nesses linhos de aconchego,
em braços de puro embalo,
em plumagens de mornura,
em claras nuvens de espuma.

Enquanto não me descobres
me perco em falas menores,
me reparto sem vontade,
tropeço pedras amargas,
naufrago secretos mares.


*Lara de Lemos*

Em "Canto breve: poesia", Porto Alegre, Editora Difusão de Cultura, 1962.

2 comentários:

Brilho disse...

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Os Rouxinóis

No meu jardim, num cedro em que a frescura
e a flor da novidade vêm brotando,
poisa, por vezes, um ditoso bando
de alegres rouxinóis, entre a verdura...

Quando ali vou, tristísssimo, à procura
de sossego e de luz, de quando em quando,
sinto-os vir e poisar, ouço-os cantando
no doce idílio duma paz obscura.

E, desditoso, eu lembro com saudade,
último brilho do meu peito ardente,
que assim também, num íntimo vigor,

sobre o flóreo jardim da mocidade,
cantaram na minh'a alma alegremente,
como no cedro, ou rouxinóis do amor...

António Maria Gomes Machado Fogaça

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Não sei distinguir no céu as várias constelações

Não sei distinguir no céu as várias constelações:
não sei os nomes de todos os peixes e flores,
nem dos rios nem das montanhas:
caminho por entre secretas coisas,
a cada lugar em que meus olhos pousam,
minha boca dirige uma pergunta.

Não sei o nome de todos os habitantes do mundo,
nem verei jamais todos os seus rostos,
embora sejam meus contemporâneos.

Não, não sei, na verdade, como são em corpo e alma
todos os meus amigos e parentes.
Não entendo todas as coisas que dizem,
não compreendo bem do que vivem, como vivem,
como pensam que estão vivendo.

Não me conheço completamente,
só nos espelhos me encontro,
tenho muita pena de mim.

Não penso todos os dias exatamente
do mesmo modo.
As mesmas coisas me parecem a cada instante diversas.
Amo e desamo, sofro e deixo de sofrer,
ao mesmo tempo, nas mesmas circunstâncias.

Aprendo e desaprendo,
esqueço e lembro,
meu Deus, que águas são estas onde vivo,
que ondulam em mim, dentro e fora de mim?

Se dizem meu nome, atendo por hábito.
Que nome é o meu?
Ignoro tudo.

Quando alguém diz que sabe alguma coisa,
fico perplexa:
ou estará enganado, ou é um farsante
- ou somente eu ignoro e me ignoro desta maneira?

E os homens combatem pelo que julgam saber.
E eu, que estudo tanto,
inclino a cabeça sem ilusões,
e a minha ignorância enche-me de lágrimas as mãos.

Cecília Meireles
in "Poesia Completa"


Minha estima lhe abraça!

Elaine Bastos disse...

Belos, belos, belíssimos!!!
"Os rouxinóis" de António Fogaça já havia sido publicado neste espaço em 24.05.2013... Porém, sempre é um encanto reler este poema, tamanha é a sua beleza!...
Cecília!!! Ah!... Faltam-me as palavras, sempre!...
Bom retorno, BIluminado!