terça-feira, 4 de junho de 2013

Vergonha

Se tu me olhas, eu me torno formosa
como a erva a quem desceu o orvalho,
e desconhecerão minha face gloriosa
as altas canas quando baixe o rio.

Tenho vergonha de minha boca triste,
de minha voz rota, de meus joelhos rudes;
agora que me olhaste e que vieste,
me percebi pobre e me toquei desnuda.

Nenhuma pedra no caminho achaste
mais despida de luz na alvorada
que esta mulher a quem levantaste,
porque ouviste seu canto, o olhar.

Eu me calarei para que não conheçam
minha ventura os que passam pelo campo,
no fulgor que há em minha face tosca
e no tremor que há em minha mão...

É noite e desce à erva o orvalho;
olha-me fundo e fala-me com ternura,
que de manhã, ao descer ao rio
a que beijaste levará formosura!
”     

*Gabriela Mistral*

Em "Gabriela Mistral - ANTOLOGIA POÉTICA (Seleção, tradução e apresentação de 
Fernando Pinto do Amaral)", Lisboa, Editorial Teorema, 2002.

2 comentários:

Brilho disse...

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No fundo do teu ser quem trazes prisioneiro?

No fundo do teu ser quem trazes prisioneiro,
sedento de mais luz? Quem vela? Quem dominas?
Quem anseia a claridade
num soluçar desfeito?
Os seus olhos não veem,
embora a luz acenda
o céu a cada aurora.

Quem vela, encarcerado,
no fundo do teu ser?
O cântico da vida
encanta o ar, em torno...
E lutas, no silêncio...

As aves, na floresta,
cantam o novo dia
e as flores o triunfo
da vida renovada.

-Se a luz do céu triunfa
porque há noite em teus olhos?

- A noite foi-se embora. Contudo,
no teu cárcere estreito,
arde ainda, na sombra,
a lâmpada noturna.

-Porque andam tão ausentes
a tua casa e o mundo?
Quem trazes prisioneiro
no fundo de ti mesmo?

Rabindranath Tagore

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Eu sou vários...

Eu sou vários. Há multidões em mim.
Na mesa da minha alma sentam-se muitos,
e eu sou todos eles.

Há um velho, uma criança, um sábio, um tolo.
E nunca saberás com quem estás sentado ou quanto
tempo permanecerás com cada um de mim.

Mas prometo que, se nos sentarmos à mesa,
nesse ritual sagrado eu entregar-te-ei ao menos
um dos tantos que sou, e correrei os riscos de
estarmos juntos no mesmo plano.

Desde logo, evita ilusões:
também tenho um lado mau, ruim, que tento
manter preso e que quando se solta me envergonha.

Não sou santo, nem exemplo, infelizmente.

Entre tantos, um dia descubro-me,
um dia serei eu mesmo, definitivamente.
Como já foi dito: ousa conquistar-te a ti mesmo.

Friedrich Nietzsche


Deixo-lhe meu mais terno abraço.

Elaine Bastos disse...

BIluminado,

Uma boa e molhada noite para você!
Abraços chuvosos...


P.S.: Deus meu!... Sem palavras para dizer sobre os poemas partilhados...