domingo, 5 de setembro de 2021

 Três amigas

[...]

Nós nos fizemos amigas pela coincidência de sentimentos na valorização do humilde,
no gosto pelo autêntico, na ternura pelas coisas que conservam a sombra de uma
presença humana: velhos objetos sem dono, lembranças do passado, restos indefesos
do esforço – quase sempre malogrado – de viver. Assim, descobrimos que amávamos
o que ninguém mais ama, que tínhamos a alma carregada de retalhos de antigos
vestidos, pedaços de louças quebradas, relógios perdidos, retratos irreconhecíveis,
livros que se nos desfaziam nas mãos, palavras algum dia ouvidas e como escritos
num muro eterno diante de nós. 
[...]  Desejamos que nada se perdesse do
que um dia foi feito com a amorosa intenção de durar. Diante de um mundo ingrato e
amargo, ávido de imediatismo, ousávamos dirigir também os nossos olhos para o que
ia ficando para trás. Para o que se abandonava e esquecia. E ficamos amigas para sempre.


[...]

*Cecília Meireles*
Em “Ilusões do Mundo”, São Paulo, Global Editora, 2ª Edição, 2013.

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