segunda-feira, 20 de setembro de 2021

 “Aquela Gente Antiga I

Aquela gente antiga era sábia
e sagaz, dominante.
‘Criançada, para dentro,’
quando a gente queria era brincar.
Isto no melhor do pique.
‘Já falei que o sereno
da boca da noite faz mal’…
Como sabiam com tanta segurança
e autoridade?
Eram peritas em classificar as frutas:
Quente, fria e reimosa.
Quente, abriam perebas nas pernas, na cabeça,
pelos braços.
Fria, encatarroava, dava bronquite.
Reimosa, trazia macutena.

Aquela Gente Antiga II

Aquela gente antiga explorava a minha bobice.
Diziam assim, virando a cara como se eu estivesse distante:
‘Senhora Jacinta tem quatro fulores mal falando.
Três acham logo casamento, uma, não sei não, moça feia num casa fácil.’
Eu me abria em lágrimas. Choro manso e soluçado…
‘Essa boba… Chorona… Ninguém nem falou o nome dela…’
Minha bisavó ralhava, me consolava com palavras de ilusão:
Sim, que eu casava. Que certo mesmo era menina feia, moça bonita.
E me dava a metade de uma bolacha.
Eu me consolava e me apegava à minha bisavó.
Cresci com os meus medos e com o chá de raiz de fedegoso,
prescrito pelo saber de minha bisavó.
Certo que perdi a aparência bisonha. Fiquei corada
e achei quem me quisesse.
Sim, que esse não estava contaminado dos princípios goianos,
de que moça que lia romance e declamava Almeida Garrett
não dava boa dona de casa.


*Cora Coralina*
Em “Vintém de Cobre: meias confissões de Aninha”, São Paulo, Editora Global, 10ª Edição, 2013.

Nenhum comentário: