domingo, 12 de setembro de 2021


[...]

Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já 
que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo 
instante-já que também não é mais.
Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa.
Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício eles 
espocam mudos no espaço. Quero possuir os átomos do tempo. E quero 
capturar o presente que
pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade me 
escapa, a atualidade sou eu sempre no já. Só no ato do amor – pela límpida 
abstração de estrela do que se sente – capta-se a incógnita do instante 
que é duramente cristalina e vibrante
no ar e a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si:
no amor o instante de impessoal jóia refulge no ar, glória estranha de corpo,
matéria sensibilizada pelo arrepio dos instantes – e o que se sente é ao mesmo
tempo que imaterial tão objetivo que acontece como fora do corpo, faiscante no alto,
alegria, alegria é matéria de tempo e é por excelência o instante.
E no instante está o é dele mesmo. Quero captar o meu é. E canto aleluia para
o ar assim como faz o pássaro.
E meu canto é de ninguém. Mas não há paixão sofrida em dor e amor
a que não se siga uma aleluia.


[...]

*Clarice Lispector*
Em “Água Viva”, Editora Rocco Ltda., Rio de Janeiro, 1ª Edição, 1998.

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