domingo, 5 de setembro de 2021

 Ontem

Os adultos, todos poderosos, solidários, co-autores, corregedores.
Juízes de suas justiças.
Altaneiros em lições altissonantes, humilhantes
para que todos soubessem se exemplar.
A criança faltosa, inconsciente, apanhada, destruída.
Ré... ré... ré... de crimes sem perdão.
E eles, enormes, gigantescos, poderosos,
donos de todas as varas, aplaudidos.
 
Esta senhora, sim, sabe criar a família...
Isto quando corria a notícia de uma tunda das boas,
e mais castigos humilhantes.
Ao choro, respondia a casa, os ilesos, saciados, regozijantes −
‘bem feito, perdidas as que foram no chão’.
O sadismo, o masoquismo, o requinte: A menina errada, agarrada,
sujigada entre pernas adultas, virado seu traseiro, levantado
seu vestido, saiote, descida sua calcinha em chineladas cruéis
no traseiro desnudado, na pele sensível.

A reação incontida da criança, a mijada inconsciente,
a ânsia nervosa, o vômito, o intestino solto.
Acrescido o castigo: sentada no canto,
a carta de ABC na mão, a lição sabida.


*Cora Coralina*
Em “Vintém de Cobre: meias confissões de Aninha”, São Paulo, Editora Global, 10ª Edição, 2013.

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