quarta-feira, 29 de setembro de 2021

 “O Triângulo da Vida

Minha bisavó não falava errado, falava no antigo,
ficou agarrada às raízes e desusos da linguagem
e eu assimilei o seu modo de falar.
Ela jamais pronunciou ‘metro’, sempre ‘côvado’ ou ‘vara’.
Nunca disse ‘travessa’ e sim ‘terrina’, rasa ou funda que fosse,
nunca dizia ‘bem-vestido’, falava – ‘janota’ e ‘fama’ era ‘galarim’.
Sobraram na fala goiana algumas expressões africanas, como Inhô, Inhá,
Inhora, Sus Cristo. Muito longe a currutela dos negros
que seus descendentes vão corrigindo através de gerações.

Nada tão real como a apóstrofe do gênesis:
‘Tu és pó e ao pó retornarás’.
O homem foi feito do barro da terra.
Sim, ele foi feito de todos os elementos que formam a Terra,
que contêm vida e de onde, na desintegração da morte, volta
para o todo Universal. E a vida não sendo senão resultante
do meio magnético que compõe o Cosmos.
Um dia, o curto-circuito e a sensação de esmorecimento e decadência,
a quebra do ritmo vital,
a paralisação total.
O meio físico é todo magnético
e somos acionados por esta corrente fluídica e contínua.
O que dá vida à semente, aquilo que vulgarmente se diz o coração
e que a genética determina germe vital, onde se concentra a força magnética
que em contato com o magnetismo da terra, água e ar,
faz o milagre da germinação, a súmula da própria vida acionada
pelo poder criador que é a presença invisível de Deus.
Tudo o que somos usuários vem da terra e volta para a terra.
Terra, água e ar. O triângulo da vida.


*Cora Coralina*
Em “Vintém de Cobre: meias confissões de Aninha”, São Paulo, Editora Global, 10ª Edição, 2013.

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