domingo, 12 de setembro de 2021

 [...]

Pois em mim mesma eu vi como é o inferno.   [...]
E a lágrima que vem do riso de dor é o contrário da redenção.   [...]
Eu via que o inferno era isso: a aceitação cruel da dor, a solene
falta de piedade pelo próprio destino, amar mais o ritual de
vida que a si próprio
   [...]
E minha alma impessoal me queima.   [...]
E porque minha alma é tão ilimitada que já não é eu, e porque
ela está tão além de mim – é que sempre sou remota a mim mesma,
sou-me inalcançável como me é inalcançável um astro.
Eu me contorço para conseguir alcançar o tempo atual que
me rodeia, mas continuo remota em relação a este mesmo instante.
O futuro, ai de mim, me é mais próximo que o instante já.
  [...]
Minha vida é mais usada pela terra do que por mim,
sou tão maior do que aquilo que eu chamava de ‘eu’ que,
somente tendo a vida do mundo, eu me teria.
  [...]
O mistério do destino humano é que somos fatais, mas temos
a liberdade de cumprir ou não o nosso fatal: de nós depende
realizarmos o nosso destino fatadestino fatal. 
[...]
Mas de mim depende eu vir livremente a ser o que fatalmente sou.
Sou dona de minha fatalidade e, se eu decidir não cumpri-la, ficarei
fora de minha natureza especificamente viva.
  [...]
E não preciso cuidar sequer de minha alma, ela cuidará fatalmente
de mim, e não tenho que fazer para mim mesma uma alma: tenho
apenas que escolher viver. Somos livres, e este é o inferno.


[...]

*Clarice Lispector*
Em “A Paixão Segundo G.H.”, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 13ª Edição, 1979.

Nenhum comentário: