domingo, 12 de setembro de 2021

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Porque agora te falo a sério: não estou brincando com palavras.
Encarno-me nas frases voluptuosas e ininteligíveis que se enovelam para
além das palavras. E um silêncio se evola sutil do entrechoque das frases.
Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra
pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra
– a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu.
Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar
a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca,
incorporou-a o que salva então é escrever distraidamente.
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível
de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.
O que te direi? te direi os instantes. Exorbito-me e só então é que existo
e de um modo febril.


[...]

*Clarice Lispector*
Em “Água Viva”, Editora Rocco Ltda., Rio de Janeiro, 1ª Edição, 1998.

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