domingo, 7 de novembro de 2021

Frei Germano

Quando eu era menina bem pequena,
pela minha porta,
pela minha rua,
pela minha ponte,
via passar
os frades dominicanos.

Túnica branca.
Larga correia na cintura prendendo um rosário de contas grossas.
Hábito solto.
Cruz ao peito.
Sapatões pesados.
Um chapéu grande, preto, de abas presas, reviradas.
Às vezes, também,
conforme o tempo,
anacrônico, enorme, um guarda-chuva
amarelado, abarracado.
Muito austeros.
Muito ascetas.
Muito graves.

Corria a lhes pedir a bênção, ganhar santinho.
Frei Henrique.
Frei Constâncio.
Frei Manuel.
Frei Germano.
E quantos outros...
Já nem lembro os nomes.

Vinham de terras cultas, distantes.
Falavam nossa língua num sotaque estrangeirado, com muitos erres.
Preocupavam-se demais com os pecadores.
Queriam salvar todas as almas.
Exortavam sobre o inferno.
Contavam do purgatório.
Exaltando as maravilhas do Céu.

Frei Germano...
Quanto respeito, meu Deus!
Durezas de ascetismo.
Estatura invulgar de sacerdote.
Tão severo...
Tão alto...
descarnado.
Era a austeridade retratada, fidelíssima,
vestindo sua imensa caridade.

Diziam até que trazia cilício sobre a carne espezinhada.
Rigoroso nas regras de sua Ordem, renunciava até mesmo
ao consentido.
Desmaiava nos antigos jejuns, carregando sobre si a cruz pesada
dos pecados
da cidade.

Envergadura de atleta da Fé.
Embasamento,
sustentáculo
da Ordem de São Domingos.
Grande confessor.
Grande penitente.
Dignificou a Pátria onde nasceu.
Dignificou a Terra onde morreu.

Um dia – inda me lembro: Apareceu sem avisar na escolinha laica da
Mestra Silvina.
Minha escolinha primária...
Quanta saudade!
Muito manso,
muito humilde,
se fazendo pequenino, propôs à Mestra
em dia certo da semana, ensinar a doutrina à meninada.
Cinquenta anos decorridos, guardo na lembrança sua figura austera,
retratada,
de velho santo.
E as lições aprendidas do pequeno catecismo.
Como prêmio de aplicação conservo daquele tempo, recebido de suas
mãos, uma antiga História Sagrada e uns santinhos que me têm valido
na aflição.
E sei até hoje
se me perguntarem
os ‘Novíssimos do Homem’
que nenhum leitor, católico praticante, dirá ao certo
sem rever de novo o catecismo.

Frei Germano...
No longo caminho de pedras, de quedas, de ascensão, da vida
percorrida, nunca para mim
seu vulto se perdeu no esquecimento.
Nunca.
E eu era apenas
guria pequenina
da escolinha primária da Mestra Silvina...
E até hoje, guardião de minha fé, vai me levando pela vida
Frei Germano.


*Cora Coralina*
Em “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”,
São Paulo, Editora Global, 8ª Edição, 1985.

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