domingo, 7 de novembro de 2021

[...]

Lembrei-me de ti, quando beijara teu rosto de homem, devagar, devagar
beijara, e quando chegara o momento de beijar teus olhos – lembrei-me de
que então eu havia sentido o sal na minha boca, e que o sal de lágrimas nos
teus olhos era o meu amor por ti. Mas, o que mais me havia ligado em susto
de amor, fora, no fundo do fundo do sal, tua substância insossa e inocente e
infantil: ao meu beijo tua vida mais profundamente insípida me era dada, e
beijar teu rosto era insosso e ocupado trabalho paciente de amor, era mulher
tecendo um homem, assim como me havias tecido, neutro artesanato de vida.


[...]

*Clarice Lispector*
Em “A Paixão Segundo G.H.”, Rio de Janeiro,
Editora Nova Fronteira, 13ª Edição, 1979.

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