sábado, 13 de novembro de 2021

 Desligamento do poeta

A arte completa,
a vida completa,
o poeta recolhe seus dons,
o arsenal de sons e signos,
o sentimento de seu pensamento.

Imobiliza-se,
infinitamente cala-se,
cápsula em si mesma contida.

Fica sendo o não rir
de longos dentes,
o não ver
de cristais acerados,
o não estar
nem ter aparência.
O absoluto do não ser.

Não há invocá-lo acenar-lhe pedir-lhe.

Passa ao estranho domínio
de deus ou pasárgada-segunda.

Onde não aflora a pergunta
nem o tema da
nem a hipótese do.

Sua poesia pousa no tempo.
Cada verso, com sua música
e sua paixão, livre de dono,
respira em flor, expande-se
na luz amorosa.

A circulação do poema
sem poeta: forma autônoma
de toda circunstância,
magia em si, prima letra
escrita no ar, sem intermédio,
faiscando,
na ausência definitiva
do corpo desintegrado.

Agora Manuel Bandeira é pura
poesia, profundamente.


*Carlos Drummond de Andrade*
Em “AS IMPUREZAS DO BRANCO”, Rio de Janeiro,
Livraria José Olympio Editora, 2ª Edição, 1974.

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