domingo, 7 de novembro de 2021

 “Cidade de Santos

Sombras de Martim Afonso.
Brás Cubas, Navarro, Anchieta.
Mangue pestilento.
Tabas do íncola bravio.
Brasil novo, minha gente.

Revivo os dias do Brasil passado, nestas praias de Santos,
batidas de sol e beijadas pelo Atlântico.

Evocação do burgo, inicial e rude.
Uma coroa de terra, ressaindo do escuro charco, cerrada de morros
inóspitos, agressivos.
Pântano, mangue, praias submersas, o lagamar.

A bota ferrada do conquistador avança imperativa e audaz.
Na baliza do trabuco alçado a planta firme do negro,
os artelhos ágeis e sutis do índio.
Apontando o mostrador do Tempo.
Traçando rumos à História do futuro, os vultos austeros de Nóbrega,
José de Paiva, Anchieta.
O descobridor valente avança destemido.
Vence Paranapiacaba e, alargando trilhas, sobe lentamente, decidido.
Conquista a serrania imensa.
Firma-se no Planalto,
e gesta Piratininga.

Revejo os dias do Brasil passado nesta cidade autêntica
no estilo lusitano.
Nestas velhas igrejas de barroco original.
Nestas ruas estreitas, desiguais.
Nestas frentes vestidas de azulejos.
Nos portais de pedra destas casas de beirais.

Revivo as eras do Brasil primevo nestas ruas de Santos, de nomes
legendários: Manoel da Nóbrega, Brás Cubas, Fernão Dias, Tibiriçá,
Anchieta.
Escola de Sagres... Caravelas e veleiros.
Naus do descobrimento.
Mestres marinheiros,
reis dos mares oceanos.

Marujos e gajeiros.
Velho Portugal de meus avós.
Rudo tronco ancestral, genealógico.
Minas e bandeiras, cidades e forais.
Unidade de raça, de língua, de ética, de costumes.
Heredos e atavismos, nômades e sedentários...
Assimilação e repulsa.
Afro, luso, ameríndio.
Tateio entre as raças donde provenho para o desconhecido
dos destinos.
Combatendo a mim própria,
procuro conjugar estranha sensação de ser e de não ser...
Afro, lusitano e bugre
– sou a herança hesitante de vós três.

Praias de Santos...
Íncolas e lusos.
Fidalgos e plebeus.
Negros da Costa d’África.
Piratas e salteadores.
Traficantes e bastardos.
Frades e judeus
pisaram estas areias
e se acoitaram nestes recantos.


*Cora Coralina*
Em “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”,
São Paulo, Editora Global, 8ª Edição, 1985.

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