domingo, 8 de agosto de 2021

Um telefonema

O telefone tocou, eu atendi, chamaram por mim.
Em geral pergunto quem é porque nem sempre estou disposta
a ser chateada. Mas dessa vez alguma coisa na voz, doce
e tímida, me fez dizer que era eu mesma que estava ao telefone.
Então a voz disse: sou uma leitora sua e quero que você seja feliz.
Perguntei: como é seu nome?
Respondeu: uma leitora. Eu disse: mas eu quero saber seu nome para
poder dizê-lo ao desejar que você seja feliz.
Mas foi inútil, ela não tinha sequer diante de mim a vontade de aparecer
como pessoa que é.
Era o anonimato completo. Mas para você, de quem nem ao menos sei
o nome, quero que tenha alegrias e que, se já não é casada,
que encontre o homem de sua vida. Peço também que não leia tudo
o que escrevo porque muitas vezes sou áspera e não
quero que você receba minha aspereza.


*Clarice Lispector*
Em “A Descoberta do Mundo”, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2ª Edição, 1984.

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