domingo, 29 de agosto de 2021

 Estas Mãos

Olha para estas mãos de mulher roceira,
esforçadas mãos cavouqueiras.

Pesadas, de falanges curtas, sem trato e sem carinho.
Ossudas e grosseiras.

Mãos que jamais calçaram luvas.
Nunca para elas o brilho dos anéis.
Minha pequenina aliança.
Um dia o chamado heroico emocionante: – Dei Ouro para o Bem de São Paulo.
Mãos que varreram e cozinharam.
Lavaram e estenderam roupas nos varais.
Pouparam e remendaram.
Mãos domésticas e remendonas.

Íntimas da economia, do arroz e do feijão da sua casa.
Do tacho de cobre.
Da panela de barro.
Da acha de lenha.
Da cinza da fornalha.
Que encestavam o velho barreleiro e faziam sabão.
Minhas mãos doceiras...
Jamais ociosas.
Fecundas. Imensas e ocupadas.
Mãos laboriosas.
Abertas sempre para dar, ajudar, unir e abençoar.
Mãos de semeador...

Afeitas à sementeira do trabalho.
Minhas mãos raízes
Procurando a terra.
Semeando sempre.
Jamais para elas
os júbilos da colheita.

Mãos tenazes e obtusas, feridas na remoção de pedras e tropeços, quebrando as
arestas da vida.
Mãos alavancas
na escava de construções inconclusas.

Mãos pequenas e curtas de mulher que nunca encontrou nada na vida.
Caminheira de uma longa estrada.
Sempre a caminhar.
Sozinha a procurar,
o ângulo prometido,
a pedra rejeitada.


*Cora Coralina*
Em “MEU LIVRO DE CORDEL”, São Paulo, Global Editora, 11ª Edição, 2009.

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