domingo, 15 de agosto de 2021

 “Agonia da Crença
 
Meu Deus!… é já bem tarde… ah! não traz eco a prece
Que rola de minh’alma à funda solidão…
É tarde… e já me abala o temporal das dúvidas
Aos dous pólos da vida – o cér’bro e o coração!…

Jaz tudo morto em mim!… minh’alma habita um túmulo.
Envolta da descrença em a clâmide atroz!…
P’lo prisma da desgraça é que eu diviso a vida –
Pela da dor – a Morte – e p’lo da morte – a Vós!…

Embalde – a delirar tateio no futuro
Um sonho, uma ilusão! misérrimo que eu sou
Tudo é deserto e mudo – e a minha mente chora
As lágrimas que outrora o coração chorou!…

Entretanto sou moço… – e a senda do existir
De mil Auroras veste o intérmino fulgor…
Intérmino fulgor que eu atravesso mudo
Embuçado na noute atroz de minha Dor!…

Embalde eu me procuro… eu perco-me em mim mesmo…
E se à fria solidão da alma ouso descer
Deus! um mundo de luz e de magmas – a lágrima
Arrebenta fetal das trevas do meu ser!…

– Meu Deus!… A consciência, eu sei, é o vosso olhar! –
Não posso mentir pois! os arcanos fatais
De meu agro viver – desvendam-se ante vós…
Sabei pois – é bem tarde… é tarde até demais!

   
*Euclides da Cunha*
Em “Euclides da Cunha: Poesia Reunida”, São Paulo, Editora UNESP, 1ª Edição, 2009.

Nenhum comentário: