domingo, 29 de agosto de 2021

Rústica
 
Eu q’ria ser camponesa;
Ir esperar-te à tardinha
Quando é doce a Natureza
No silêncio da devesa,
E só voltar à noitinha...
 
Levar o cântaro à fonte
Deixá-lo devagarinho,
E correndo pela ponte
Que fica detrás do monte
Ir encontrar-te sozinho...

E depois quando o luar
Andasse pelas estradas,
D'olhos cheios do teu olhar
Eu voltaria a sonhar,
P’los caminhos de mãos dadas.

E depois se toda a gente
Perguntasse: ‘Que encarnada,
Rapariga! Estás doente?’
Eu diria: ‘É do poente,
Que assim me fez encarnada!’

E fitando ao longe a ponte,
Com meu olhar cheio do teu,
Diria a sorrir pro monte:
O cant’ro ficou na fonte
Mas os beijos trouxe-os eu...


*Florbela Espanca*
Em “O Livro D’Ele”, São Paulo, Globus Editora, 1ª Edição, 2011.

Nenhum comentário: