domingo, 8 de agosto de 2021

Adeus, vou-me embora!

[...]

E escrever é um divinizador do ser humano.
Como? Mas como é que eu escrevi nove livros e em nenhum deles
eu vos disse: Eu vos amo? Eu amo quem tem paciência de esperar
por mim e pela minha voz que sai através da palavra
escrita. Sinto-me de repente tão responsável. Porque se sempre
eu soube usar a palavra − embora às vezes gaguejando − então sou uma criminosa
se não disser, mesmo de um modo sem jeito, o que quereis ouvir de mim.
O que será que querem ouvir de mim? Tenho o instrumento na mão e não
sei tocá-lo, eis a questão. Que nunca será resolvida. Por falta de coragem?
Devo por contenção ao meu amor, devo fingir que não sinto o que sinto:
amor pelos outros? Para salvar esta madrugada de lua cheia eu vos digo:
eu vos amo. Não dou pão a ninguém, só sei dar umas palavras.
E dói ser tão pobre. Estava no meio da noite sentada na sala de minha casa,
fui ao terraço e vi a lua cheia − sou muito mais lunar que solar.
E uma solidão tão maior que o ser humano pode suportar, esta solidão
me toma se eu não escrever: eu vos amo.
Como explicar que me sinto mãe do mundo?
Mas dizer ‘eu vos amo’ é quase mais do que posso suportar! Dói.
Dói muito ter um amor impotente. Continuo porém a esperar.


*Clarice Lispector*
Em “A Descoberta do Mundo”, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2ª Edição, 1984.

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