domingo, 8 de agosto de 2021

Que me ensinem

Meu Deus, e eu que não sei rezar? Como viver então? Não é só para pedir por
mim e por outros, mas para sentir, para agradecer, para de algum modo entrar
num convento, logo eu que sou tão colérica e feroz.
Existe uma cartomante que me conheceu mocinha. E agora é ela quem
me chama e não me cobra nada. Apesar de cartomante é profundamente católica.
E tem ido à missa por mim. Obrigada por rezar o que eu não sei.
Oh Deus, eu já fui muito ferida. Mas a quanta gente tenho pelo que agradecer.
Só não cito os nomes para não ferir o pudor de quem eu citasse.
Tenho recebido olhares que valem por uma reza. E há quem já tenha feito
promessa por mim. E eu? Vou tentar rezar agora mesmo, despudoradamente
em público. É assim: Meu Deus − não, é inútil, não consigo.
Mas talvez dizer ‘Meu Deus’ já seja uma reza. Há, porém um pedido
que posso fazer e farei agora mesmo: Deus, fazei com que os que eu amo
não me sobrevivam, eu não toleraria a ausência. Pelo menos isso eu peço.


*Clarice Lispector*
Em “A Descoberta do Mundo”, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2ª Edição, 1984.

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