domingo, 30 de maio de 2021

 “Pátria Minha
 
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo.
É minha pátria. Por isso, no exílio.
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei.
Como, por que e quando a minha pátria;
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água;
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias;
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos;
E sem meias, pátria minha;
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho;
Pátria, eu semente que nasci do vento;
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço;
Em contato com a dor do tempo, eu elemento;
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te, no entanto em mim como um gemido;
De flor; tenho-te como um amor morrido.
A quem se jurou; tenho-te como uma fé;
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto ajeito;
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra;
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu.
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha.
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo.
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes.
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação.
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta.
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular;
Que bebe nuvem, come terra,
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem,
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
‘Liberta que serás também’
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha.
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha.
Teu nome é pátria amada, é patriazinha.
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és.
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia,
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este aviograma:
‘Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes.’.


*Vinicius de Moraes*
Em “Poesia Completa e Prosa – volume único”, Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar S/A., 4ª Edição, 2004.

Nenhum comentário: