quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A Noite

Eu amo a noite solitária e muda,
Quando no vasto céu fitando os olhos,
Além do escuro, que lhe tinge a face,
Alcanço deslumbrado
Milhões de sóis a divagar no espaço,
Como em salas de esplêndido banquete
Mil tochas aromáticas ardendo
Entre nuvens d'incenso!

Eu amo a noite taciturna e queda!
Amo a doce mudez que ela derrama,
E a fresca aragem pelas densas folhas
Do bosque murmurando:
Então, malgrado o véu que envolve a terra,
A vista, do que vela enxerga mundos,
E apesar do silêncio, o ouvido escuta
Notas de etéreas harpas.

Eu amo a noite taciturna e queda!
Então parece que da vida as fontes
Mais fáceis correm, mais sonoras soam,
Mais fundas se abrem;
Então parece que mais pura a brisa
Corre,
que então mais funda e leve a fonte
Mana,
e que os sons então mais doce e triste
Da música se espargem.

O peito aspira sôfrego ar de vida,
Que da terra não é; qual flor noturna,
Que bebe orvalho, ele se embebe e ensopa
Em êxtase de amor:
Mais direitas então, mais puras devem,
Calada a natureza, a terra e os homens,
Subir as orações aos pés do Eterno
Para afagar-lhe o trono!

Assim é que no templo majestoso
Reboa pela nave o som mais alto,
Quando o sacro instrumento quebra a augusta
Mudez do santuário;
Assim é que o incenso mais direito
Se eleva na capela que o resguarda,
E na chave da abóbada topando,
Como um dossel, se espraia.

Eu amo a noite solitária e muda;
Como formosa dona em régios paços,
Trajando ao mesmo tempo luto e galas
Majestosa e sentida;
Se no dó atentais, de que se enluta,
Certo sentis pesar de a ver tão triste;
Se o rosto lhe fitais, sentis deleite
De a ver tão bela e grave!

Considerai porém o nobre aspecto,
E o porte, e o garbo senhoril e altivo,
E as falas poucas, e o olhar sob'rano,
E a fronte levantada:
No silêncio que a veste, adorna e honra,
Conhecendo por fim quanto ela é grande,
Com voz humilde a saudarei rainha,
Curvado e respeitoso.

Eu amo a noite solitária e muda,
Quando, bem como em salas de banquete
Mil tochas aromáticas ardendo,
Giram fúlgidos astros!
Eu amo o leve odor que ela difunde,
E o rorante frescor caindo em pér'las,
E a mágica mudez que tanto fala,
E as sombras transparentes!

Oh! quando sobre a terra ela se estende,
Como em praia arenosa mansa vaga;
Ou quando, como a flor dentre o seu musgo,
A aurora desabrocha;
Mais forte e pura a voz humana soa,
E mais se acorda ao hino harmonioso,
Que a natureza sem cessar repete,
E Deus gostoso escuta.


*Antônio Gonçalves Dias*

Em “Nossos Clássicos, Gonçalves Dias”, São Paulo, Editora Agir, Vol. 18, 12ª Edição, 1985.

2 comentários:

Anônimo disse...

Boa noite, Elaine!

Na solidão da noite, todos os pássaros emudecem, recolhem-se aos seus ninhos para voar em sonhos...

Lindíssimo poema, tua escolha nas postagens revela teus jardins mais coloridos.

Elaine Bastos disse...

Grata, gratíssima por honrar este espaço com suas poéticas observações, Moacir!...