quarta-feira, 6 de março de 2013

O que a poesia nos faz... Toca-nos o coração, a alma... 
Eis, uma vez mais, uma das minhas escrevedoras diletas...
"A Lucidez Perigosa

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano –
já me aconteceu antes.

Pois sei que –
em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade –

essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
"

*Clarice Lispector*

  Extraído de “A descoberta do mundo”, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2ª Edição, 1984.

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