sábado, 20 de março de 2021

 Sugestões do poente 

I

Poentes! Quanta tristeza há no céu ao Sol-Posto!
A tristeza do céu se concentra no mar...
Ave, Maria! Unção de esperança ao desgosto
Dos que vão pela Vida a sofrer e a esperar...

Poentes de ouro! Evocais Nosso Senhor exposto
Na custódia do sol, à luz crepuscular!
Poentes de sangue! Em vós deixou Jesus o rosto
Na verônica azul, num símbolo solar...

Poentes no mar! Em vós, como em delírio, avisto
Moisés no Mar Vermelho os vagalhões a abrir...
O mar reverberando à passagem de Cristo...

Poentes! Naus de Nadir! Galeras do Porvir!...
Esquadra em Siracusa, ante o incêndio imprevisto...
Frota de Salomão em demanda de Ofir!

II

Poentes! Que sugestões à hora do entardecer,
Quando em místico enlevo o olhar longe acompanha
O áureo disco do sol, aureolando a montanha,
Que, nimbada de luz, fica a resplandecer...

Poentes! Púrpuras, ouro e pedraria a arder,
Como me deslumbrais na vossa pompa estranha!
Vossa fascinação no meu ser é tamanha,
Que atônito me deixa, a cismar sem querer...

Poentes! Eternizais a beleza tristonha,
Jardins suspensos de Nabucodonosor,
Florindo em íris sob o céu da Babilônia!...

Poentes sobre a montanha! Ante o vosso esplendor,
Nos êxtases da Fé, meu espírito sonha
Com a transfiguração de Jesus no Tabor!

III

Poentes no campo! O céu pelo ocaso, ao declínio
Do sol, que sugestões fantásticas nos dá!
Sobre a paisagem verde, o horizonte sanguíneo
Lembra as sarças de fogo ao verbo de Jeová...

Poentes de ouro, num céu de cobalto e alumínio,
Evocais Salomão, que ora aguardando está,
Sobre a púrpura em luz de radioso triclínio,
A Noite – a negra e astral rainha de Sabá.

Poentes! Simbolizais, num mito estranho ou errôneo,
O almo trigo do Bem no campo azul da Fé,
O ígneo joio do Mal nas ceifas do Demônio...

Poentes rurais dourando as árvores, como é
Que a tarde está tão linda e tão triste o campônio,
Poentes da compunção do Ângelus de Millet!


*Antônio Francisco da Costa e Silva*
Em “Poesias Completas Nova Edição Revista e Ampliada
(Sangue, Zodíaco, Verhaeren, Pandora, Verônica e Alhambra)
”,
Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 4ª Edição, 2000.

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