sexta-feira, 12 de março de 2021

Outono estação do amor

I
                                      
No outono desta vida recomponho
as horas que de novo viveria
se pudesse voltar aquele dia
que me semelha o espaço deste sonho.

É o passado de volta de seu sono
como o tempo de outrora voltaria.
Unido o cotidiano com a magia
o amor não muda na estação do outono.

Como se fosse outra primavera
a me trazer de novo ansiedade
agora temperada em experiências

que se não faz da gente o que antes era
nos deixa na lembrança a mesma idade
que ilumina de amor tamanha ausência.

II           

Um encontro de olhares entre vento
e mares e azulejo e velha ilha
cabelos esvoaçantes pensamento
que a alma deste corpo maravilha.

Um regresso na escada de outro tempo
as lembranças rolantes das meninas
que não sei se me vêem mas contemplo
ressurgidas diante da retina.

Quanto calor de quem tanto à distância
se fascina com a chama que o atrai
e desconhece aonde lhe levam os passos

se para os umbrais de uma outra infância
que das fronteiras de minha alma sai
em viagem na noite dos espaços.

III

Olhar de luz a me aquecer a face
quando comigo cruza aquele instante
passageiro, como eu, bem que não passe
amor já tão longínquo quanto o cante.

Naquela tarde luminosa diante
dessa criatura que talvez amasse,
sonho prendê-la em imaginário enlace
mas fujo do seu rosto radiante.

Se nunca ouvi tua voz eu a pressinto
a censurar, quem sabe, o amor covarde
que só em ver de longe se contenta

movido do poder daquele instinto
que ainda hoje como outrora arde
para erguer-me no vôo que sustenta.


*Manoel Caetano Bandeira de Mello*
Em “Outono estação de amor”, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora
em convênio com a Secretaria da Cultura do Maranhão, 1987.

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