domingo, 7 de março de 2021

A sorte
 
                                              Amore, amore, grida tuto il mondo.
                                                                            S. Francisco de Assis

 
– Por que vou ver das colinas
A manhã que nos sorri?
– Eu, se lá subo, imaginas?
Acaso vou eu sem ti?
 
– Queres saber por que cismo?
Não sabes, mimosa flor?
– E tu, por que cismas tanto
Às horas do sol se pôr?
 
– Queres saber o que fazem
Meus olhos por céus além?
– E os teus, que fazem? não erram
Perdidos por lá também?
 
– Por que suspiro, abaixando
A fronte pálida ao chão?
– E tu, por que a fronte inclinas,
Por que suspiras então?
 
– O que procuro – alta noite –
Lá dentro nos olhos teus?
E tu, mulher, o que queres,
O que procuras nos meus?
 
Que doce mistério é este?
Eu quem sou, e tu quem és?
Tu... toda a luz de minha alma:
Eu a sombra dos teus pés.
 
Eu sou a noite que doira
Da tua estrela o fulgor:
Eu sou o vale profundo,
Tu és a pálida flor.
 
Eu sou a vaga sombria,
Que soluçando correu:
Tu és o raio perdido,
Que em suas águas bateu.
 
Eu sou a árvore agreste,
Que nos rochedos brotou:
Tu és o pássaro lindo,
Que nos seus ramos pousou.
 
Eu sou as folhas do livro,
Tu és a lenda de amor;
Eu sou o vaso, e tu, virgem,
Tu és o suave odor.
 
Da vida às margens risonhas,
Onde há só mudez e paz,
Eu rosas estou colhendo,
Tu rosas colhendo estás.
 
Ai! embalemos as almas
Num berço de amor sem fim:
Eu não quero... tu não queres...
Mas a sorte o quer assim!...


*Luís Delfino dos Santos*
Em “Poesia Completa, org. de Lauro Junkes”, Florianópolis,  
Academia Catarinense de Letras (ACL), 2º v., 2001.

Nenhum comentário: