domingo, 18 de fevereiro de 2018

Elegia para minha mãe

Nesta quebrada de montanha, donde o mar
Parece manso como em recôncavo de angra,
Tudo o que há de infantil dentro em minh'alma sangra
Na dor de ter visto, ó Mãe, agonizar!

Entregue à sugestão evocadora do ermo,
Em pranto rememoroso o teu lento martírio
Até quando exalaste, à ardente luz de um círio,
A alma que se transia atada ao corpo enfermo.

Relembro o rosto magro, onde a morte deixou
Uma expressão como que atônita de espanto
(Que imagem de tão grave e prestigioso encanto
Em teus olhos já meio inânimes passou?)

Revejo os teus pequenos pés... A mão franzina...
Tão musical... A fronte baixa... A boca exangue...
A duas gerações passara já teu sangue,
 – Eras avó –, e morta eras uma menina.

No silêncio daquela noite funeral
Ouço a voz de meu pai chamando por teu nome.
Mas não posso pensar em ti sem que me tome
Todo a recordação medonha do teu mal!

Tu, cujo coração era cheio de medos
– Temias os trovões, o telegrama, o escuro –
Ah, pobrezinha! um fim terrível o mais duro,
É que te sufocou com implacáveis dedos.

Agora que me despedaça o coração
A cada pormenor, e o revivo cem vezes,
E choro neste instante o pranto de três meses
(Durante os quais sorri para tua ilusão!),

Enquanto que a buscar as solitárias ânsias,
As mágoas sem consolo, as vontades quebradas,
Voa, diluindo-se no longe das distâncias,
A prece vesperal em fundas badaladas!


*Manuel Bandeira*
Em “A cinza das horas”, São Paulo, Global Editora, 3ª Edição, 1993.

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