sábado, 24 de abril de 2021

 “Cotovia

– Alô, cotovia!
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que tantas saudades me deixaste?
– Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe...
Voltei, te trouxe a alegria.
– Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.
– Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia...

– E esqueceste Pernambuco,
Distraída?

– Voei ao Recife, no Cais
Pousei na Rua da Aurora.

– Aurora da minha vida
Que os anos não trazem mais!

– Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino
Para o bem que é deste mundo:
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
– Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.

 
*Manuel Bandeira*
Em “Os Melhores Poemas de Manuel Bandeira” (Seleção de Francisco De Assis Barbosa),
São Paulo, Editora Global, 16ª Edição, 2003.

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