quarta-feira, 14 de julho de 2021

Rio Vermelho
 
I

Tenho um rio que fala em murmúrios.
Tenho um rio poluído.
Tenho um rio debaixo das janelas
da Casa Velha da Ponte.
Meu Rio Vermelho.
 
II
 
Águas da minha sede...
Meus longos anos de ausência
identificados no retorno:
Rio Vermelho – Aninha.
Meus sapos cantantes...
Eróticos, chamando, apelando,
cobrindo suas gias.
Seus girinos – pretinhos, pequeninos,
inquietos no tempo do amor.
Sinfonia, coral, cantoria.
Meu Rio Vermelho.
 
III
 
Debaixo das janelas tenho um rio
correndo desde quando?...
Lavando pedras, levando areias.
Desde quando?...
Aninha nascia, crescia, sonhava.
 
IV
 
Água – pedra.
Eternidades irmanadas.
Tumulto – torrente.
Estática – silenciosa.
O paciente deslizar,
O chorinho a lacrimejar
sútil, dúctil
na pedra, na terra.
Duas perenidades –
sobreviventes
no tempo.
Lado a lado – conviventes,
diferentes, juntas, separadas.
Coniventes.
Meu Rio Vermelho.

V
 
Meu Rio Vermelho é longínqua
manhã de agosto.
Rio de uma infância mal-amada.
Meus barquinhos de papel
onde navegavam meus sonhos;
sonhos navegantes de um barco:
Pescadora, sonhadora
do peixe-homem.

VI
 
Um dia caiu na rede
meu peixe-homem...
todos de escamas luzidias,
todo feito de espinhos e espinhas.

VII
 
Rio Vermelho, líquido amniótico
onde cresceu da minha poesia, o feto,
feita de pedras e cascalhos.
Água lustral que batizou de novo meus cabelos brancos.


*Cora Coralina*
Em “MEU LIVRO DE CORDEL”, São Paulo, Global Editora, 11ª Edição, 2009.

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