domingo, 21 de fevereiro de 2021

 Confessional
 
          Eu fui um menino por trás de uma vidraça
– um menino de aquário.
          Via o mundo passar como numa tela cinematográfica, mas que repetia sempre as mesmas cenas, as mesmas personagens.
          Tudo tão chato que o desenrolar da rua acabava
me parecendo apenas em preto e branco, como nos filmes
daquele tempo.
          O colorido todo se refugiava, então, nas ilustrações
dos meus livros de histórias, com seus reis hieráticos e belos
como os das cartas de jogar.
E suas filhas nas torres altas − inacessíveis princesas.
          Com seus cavalos − uns verdadeiros príncipes na
elegância e na riqueza dos jaezes.
          Seus bravos pagens (eu queria ser um deles...)
          Porém, sobrevivi...
          E aqui, do lado de fora, neste mundo em que
vivo, como tudo é diferente Tudo, ó menino do aquário,
é muito diferente do teu sonho...
          (Só os cavalos conservam a natural nobreza.)


*Mario Quintana*
Em “A vaca e o hipogrifo”, São Paulo, Editora Globo, 2ª Edição, 2006.

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